Bis in idem

O quadro político que se delineou no recém-findo pleito faz prever, senão temer, que Lula venha a repetir no segundo mandato o que fez ou deixou de fazer no atual, que se finda. Não porque lhe faltem boas intenções, mas por não ter as ferramentas para produzir mudanças substanciais que o país precisa. Talvez a única grande reforma que venha a lograr seja a política, mas os interesses individuais de quem teria de realizar tal tarefa, os parlamentares, podem obstaculizar um câmbio profundo e necessário.

De parte dos partidos políticos, a manifestação do PT pela formação de uma frente de esquerda seja a primeira e única resposta positiva à proposição de reforma de Lula. O PT quer formar uma frente de partidos de esquerda (PT, PCdoB e PSB), a exemplo do que ocorreu no Chile e no Uruguai. Mas há, desde logo, um obstáculo para que este tema seja objeto de debate imediato. O presidente Lula reclamou uma reformulação da direção do seu partido, agremiação que não o levou de novo à chefia da nação, mas foi por ele alçada mais uma vez ao poder. Antes de se pensar numa frente de esquerda, é preciso ?refundar? o PT, como vem reclamando o ministro Tarso Genro. De qualquer forma, nem o PT sozinho nem unido aos referidos partidos de esquerda, numa frente em que não se inclui o PSOL, embora ideologicamente devesse dela fazer parte, pautará a política do segundo mandato. Tudo indica que haverá um ?bis in idem?.

Lula, reconhecendo que não tem maioria congressual nem mesmo de forças partidárias, restando-lhe apenas um considerável apoio de governadores, insiste numa conversa aberta com todos os líderes e agremiações. Terá de repetir, neste segundo mandato, coligações que, declara, deverão ser sedimentadas no interesse nacional. Mas que sabemos, na prática, se fará na base de um ?toma lá, dá cá?, fórmula esdrúxula que permitiu alianças paradoxais como um PT e um PL unidos na presidência; um PP e um PCdoB trabalhando lado a lado. Enfim, uma salada política sem nenhum tempero ideológico ou programático.

Para um grande acordo nacional, como parece sonhar o presidente reeleito, não há clima. O tom do discurso pós-eleição de Fernando Henrique Cardoso o comprova. Ele deixou bem claro que o povo escolheu o seu PSDB, o segundo maior partido no Congresso e no quadro político, para ser oposição. E será oposição, tanto mais ferrenha quanto mais tempo prosseguirem as investigações dos escândalos que, aliás, já reaparecem, com o pedido de prisão do ex-ministro Antônio Palocci feito pelo Ministério Público, tão logo proclamada a vitória lulista nas urnas.

Como não se governa em cima de quimeras, Lula terá de repetir o seu primeiro mandato, verdade que com mais experiência, alguns planos já elaborados e em condições de tentar realizar, na prática e não só no papel, obras que foram recheio de muitos de seus discursos. Irá prosseguir as ações no campo social que lhe deram fama e votos e tentará compatibilizar seu custo à política fiscal que promete continuar mantendo apertada. E ainda tentará prosseguir na queda dos juros e controle da inflação. Enfim, uma política igual, no conteúdo, se bem que possa ser um pouco diferente na dosagem, à que praticou no seu primeiro mandato. O que lhe dará efetivo respaldo será a fantástica votação recebida nas urnas. Os que se lhe opõem terão de lembrar que este foi o presidente que recebeu a maior votação da ainda incipiente democracia brasileira.

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