Barbas de molho

A derrota do presidente Hugo Chávez no referendo de domingo passado, no qual esperava obter, entre outras prerrogativas pessoais, a licença para se reeleger quantas vezes lhe desse na telha, semeou ineludível confusão mental nos defensores do terceiro mandato para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Não se sabe em que medida, mas a julgar pelo sentimento de auto-suficiência reinante entre os apólogos do terceiro mandato nos dias que antecederam a manifestação politicamente correta da maioria dos eleitores venezuelanos, eles tinham mais certeza na vitória do ?sim? que o próprio comandante da revolução socialista bolivariana. Com a derrota, as barbas foram colocadas de molho.

Para começo de conversa, é bom ter em mente a realidade meridiana: os eleitores que no ano passado garantiram a eleição de Chávez com cerca de 7,3 milhões de votos, no referendo de domingo diminuíram em mais de três milhões, fazendo o intrépido coronel beijar a lona de maneira deprimente.

O voto corajoso contra as veleidades insuspeitas de alguém, mesmo o presidente da República, de se arrogar o direito de assumir pessoalmente funções exclusivas de Assembléia Nacional Constituinte (no Brasil, isso ocorria no período da ditadura), proclamou em alto e bom som que a sociedade venezuelana não está a fim de chancelar o mais leve arranhão à democracia.

Espera-se que o recado explícito dos eleitores do país amigo seja entendido em todas as suas nuanças pelos que rondam o bivaque lulista, espalhando aqui e ali o perfume enjoativo da tese de mais um mandato para o atual presidente. Fato deveras elucidativo do pensamento dos brasileiros sobre o terceiro mandato emergiu, em feliz coincidência com o referendo venezuelano, do resultado da recente pesquisa realizada pelo Datafolha: 65% dos eleitores ouvidos são radicalmente contrários ao terceiro mandato.

O enxovalhamento da tese levantada pelos oportunistas infiltrados no governo Lula só não ficou mais visível porque ao presidente da República deve ser creditado o mérito de prontamente ter condenado a oferta de disputar o terceiro mandato.

Entrementes, há quem chegue a sofismar que, no caso da aprovação da CPMF, Lula verá se avolumar a aura do político vitorioso, passando a dispor -além dos R$ 40 bilhões anuais a mais no Orçamento – de uma força inigualável no momento de traçar as linhas para o futuro político imediato. Aos mais afoitos convém lembrar, também, a relevância fundamental do respeito à soberania dos eleitores, infalível escudo contra as tentativas de impor soluções articuladas nas sombras.

Voltar ao topo