Audiências unas e a celeridade processual

Num bem intencionado esforço voltado para agilizar o funcionamento da Justiça do Trabalho diversos Magistrados de primeira instância, no foro de Curitiba, vem abandonando a tradicional tripartição da audiência, sistemática que ganhou força na medida em que foram tornando-se complexos os direitos trabalhistas em discussão perante a Justiça do Trabalho, para voltar às origens, retornando à letra fria do texto consolidado, que concentra todos os atos processuais numa única audiência, por isto denominada de una.

Olvidam-se estes esmerados julgadores que a CLT entrou em vigor em 10 de novembro de 1943, sob a égide da “Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937”, também denominada “Constituição Polaca”, fruto do Estado Novo e da admiração getulista pelo autoritarismo polonês, bem ao estilo das inspirações fascistas que então predominavam.

No Capítulo “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” da Constituição de 1937, mais precisamente em seu artigo 122, não há qualquer menção aos Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa, pilastras do Estado de Direito Democrático que não interessava ao ditador de plantão.

Assim, na época, revestiam-se de plena constitucionalidade os artigos 843 a 849 do texto consolidado, que estabelecem o arcabouço jurídico da audiência una, na medida em que os princípios do Contraditório e da Ampla Defesa não se encontravam entre as diretrizes que deviam ser observadas pelo legislador ordinário e pelo julgador.

Induvidoso que a sistemática una da audiência trabalhista não foi recepcionada pelos textos constitucionais que se seguiram, especialmente pela Constituição Federal ora vigente a qual, em seu artigo 5º, inciso LV, garante aos “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral…o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes;

Encontrando-se a Constituição no topo do ordenamento jurídico, constitui lição elementar o fato de suas disposições serem aplicáveis ao processo do trabalho.

Exigir-se que o empregado e seu advogado tomem contato com o conteúdo da contestação apresentada pelo empregador e seus documentos e ato contínuo direcionem a prova oral em relação aos fatos controversos que acabam de descobrir, sem que sequer possam fazer uma análise mais aprofundada do caderno processual ou ao menos trocar idéias acerca dos mesmos, é colocar o trabalhador em condição de inferioridade, com a afronta de mais uma das pilastras do Estado de Direito democrático, que é o Princípio da isonomia, previsto pelo caput do artigo 5º da Lei Maior.

A complexidade alcançada pelos litígios trabalhistas e o volume de documentos que, via de regra acompanham as contestações patronais carecem de um exame aprofundado por parte do empregado, igual, pelo menos, ao tempo que o empregador contou para elaborar a sua defesa.

Nem sempre a falsidade ideológica ou material passível de ser elidida pela prova oral é evidente, razão pela qual, para que se atinja a verdade real, é imprescindível uma análise acurada dos documentos carreados aos autos, que se inviabiliza pela adoção da sistemática da audiência una.

Aliás, justamente o fato das reclamatórias trabalhistas terem se tornado mais complexas é que fez com que a letra fria da lei fosse paulatinamente substituída pela consagração da bipartição ou tripartição das sessões da audiência, interpretação extensiva do teor do artigo 849 da CLT compatível com a observância da Ampla defesa, do Contraditório e da Isonomia processual.

E não é só o empregado que precisa de tempo e atenção para a análise da contestação e da defesa apresentadas. Espera-se do magistrado, a quem compete presidir a audiência e direcionar a colheita da prova oral, profundo conhecimento da natureza dos fatos controversos e do conteúdo da documentação apresentada. Assim, a chamada audiência una prejudica também o trabalho do Magistrado vocacionado, que prima pela qualidade da tutela jurisdicional que presta.

A prática forense ensina que por mais arguto, inteligente e experiente que seja o magistrado, uma superficial análise da contestação e da defesa, que não poderá ultrapassar 5 ou 10 minutos, dado o número significativo de audiências unas normalmente designadas, não lhe permite conduzir com segurança, justiça e precisão técnica a colheita da prova oral.

Diante de tantas razões de natureza teórica e prática a desaconselharem a utilização da audiência una, é de se refletir as razões porque tal sistemática conta com a simpatia de número crescente de magistrados do trabalho.

Trata-se de uma impressão equivocada de quem são os verdadeiros responsáveis pela morosidade da Justiça!

Em conseqüência de uma campanha insidiosa estimulada pela imprensa e por todos aqueles a quem interessa ofuscar as verdadeiras razões das mazelas que oprimem o Poder Judiciário, os magistrados em geral e especialmente os do Trabalho passaram a imaginar que são “culpados” pela virtual impossibilidade de darem vazão, com a estrutura e os limites físicos disponíveis, à impressionante demanda diária que lhes é submetida.

Não se apercebendo das verdadeiras razões motivadoras dos parcos investimentos governamentais no Poder Judiciário e do advento de diversas “soluções” legislativas voltadas para colocar o cidadão comum fora do alcance de uma Justiça voltada para efetivamente dar a cada um o que é seu, tais como “Juizados Especiais”, Comissões de Conciliação Prévia e Procedimento Sumaríssimo, alguns heróicos magistrados partem para adoção de soluções individuais que passam pelo trabalho diuturno e pela adoção da polêmica audiência una.

Virtualmente inócuo o hercúleo esforço, pois os milhares de autos judiciais que se multiplicam acabam estacionando num escaninho da Secretaria da Vara, que não conta, via de regra, com funcionários suficientes para darem vazão ao aumento do fluxo de trabalho, especialmente na fase executória, ou num refrigerado gabinete do Tribunal Superior do Trabalho, por anos a fio.

E funestos os efeitos colaterais do trabalho sobre-humano, na medida em que retira do julgador a serenidade, a paciência, a perspicácia e a lucidez tão necessárias para o desempenho a contento deste `munus’ que é a magistratura.

Como se vê, está mais do que na hora de advogados, juízes, funcionários e a sociedade em geral politizarem-se e pressionarem os governantes de plantão no sentido de que os pesados tributos pagos pela sociedade sejam efetivamente destinados à satisfação das necessidades básicas dos cidadãos, deixando de fomentar com prioridade a ciranda financeira das dívidas interna e externa ao gosto dos banqueiros tupiniquins e internacionais.

Juízes do trabalho e advogados trabalhistas paranaenses, em recente reunião realizada na Associação dos Magistrados Trabalhistas, que tratou do tema das audiências unas e pela manhã, ao se mostrarem receptivos para conversar sobre estes e outros temas que afligem aqueles que militam, os que trabalham e os que freqüentam na qualidade de jurisdicionados a Justiça do Trabalho, deram pioneiro passo neste sentido.

Valdyr Perrini

é advogado trabalhista, professor de Direito do Trabalho da PUC/ PR e professor Licenciado de Direito Civil da Faculdades Curitiba.

Christiane Bacicheti é advogada trabalhista, cursando Especialização em Direito do Trabalho nas Faculdades Curitiba.

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