As normas internacionais do trabalho e o fortalecimento dos sistemas de relações laborais

1. NORMAS INTERNACIONAIS DO TRABALHO PARA MAGISTRADOS, JURISTAS E DOCENTES EM DIREITO. Foi o tema do processo formativo ocorrido no mês de julho de 2008, em Lima/Peru, promovido pela Organização Internacional do Trabalho, em seu Escritório Sub-Regional para América Latina e Países Andinos. O objetivo estratégico do evento era de difundir as normas internacionais do trabalho, promovendo a formação do público-alvo de carreiras jurídicas, vislumbrando a promoção das normas internacionais e sua adoção quotidiana como ferramenta de interpretação e solução dos conflitos laborais.

2. COORDENAÇÃO DOS TRABALHOS E PAINELISTAS. A direção dos trabalhos coube à coordenadora do Programa de Liberdade Sindical do Centro de Formação da OIT em Turim, Dra. Beatriz Vacotto, conjuntamente com o especialista em normas internacionais do Escritório da OIT em Lima, Dr. Xavier Beaudonnet. Os painelistas foram Dr. Horacio Guido, coordenador do departamento de normas internacionais do trabalho da OIT-Genebra e o membro da comissão de expert’s da OIT, Dr. Mario Ackerman, professor e diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires.

3. A OIT E AS NIT’s. Introdução dos participantes ao tema na reflexão da estruturação da OIT e das normas internacionais do trabalho (nit’s) e suas principais características. Destacando que a OIT, criada em 1919, é o único órgão composto de forma tripartite, por Nações, empregados e empregadores, com participação ativa nas atividades da OIT, em igualdade de condições com os Estados, sua composição conta com 183 Estados-membros. O Conselho de Administração da OIT tem o papel de órgão gestor e executor e é composto por 14 países-membro. Estruturam a OIT, além do Conselho de Administração, Comissão de Aplicação de Normas e Comitê de Liberdade Sindical e os Escritórios Regionais do Trabalho. Sobre as NIT’s, importante salientar, a existência de 188 Convenções e 199 Recomendações. O processo de aprovação das normas ocorre durante as Conferências Internacionais do Trabalho, podendo ser aprovada pelo voto de 2/3 dos membros, todavia, em razão dessa regra, adotou-se, como praxe, a submissão ao processo de votação, somente com possível aprovação por consenso. As normas internacionais do trabalho têm como característica sua gênese tripartite, de implementação flexível mas de perfil notadamente universal, submetida ao controle de cumprimento pela própria OIT.

As disposições reconhecem de maneira incondicional os direitos subjetivos claramente determinados, dispondo-os em conteúdo apresentador de um grau substancial de indeterminação, noutras palavras são normas contendo diretivas, em razão das quais, o Estado-membro tem de incorporar em sua legislação os princípios e direitos estabelecidos no convênio. Ainda, existem normas de disposição programática submetidas ao Estado-membro que se compromete levar a cabo uma política geral, por fim, as NIT’s podem ser somente definições de conceitos jurídicos.

A efetividade do Direito Internacional do Trabalho(DIT), também se expressa quando as normas de direito internacional são utilizadas pelo tribunais internos, nas seguintes situações: “a) quando o uso do DIT é utilizado para resolver diretamente um litígio; b) ou quando utilizado como guia hermenêutico o direito interno; c) na própria criação de princípios jurisprudenciais inspirados no DIT; d) quando a jurisprudência referencia o DIT para reforçar uma solução baseada no direito interno”.

4. ÓRGÃOS DE CONTROLE DA OIT. O estudo do papel dos órgãos de controle da OIT foi apresentado pelo Dr. Mario Ackerman sobre a DINÂMICA DE FUNCIONAMENTO DA COMISSÃO DE “EXPERTS” DA OIT. Situou historicamente o processo constituinte da OIT, resultante da primeira guerra mundial. Após a fundação da OIT, a produção das NIT’s tinha por destinatários os centros urbanos europeus, e não os países periféricos e/ou as “colônias”. Outro elemento relevante, relativo ao processo formativo do órgão em 1919, foi que o movimento para formação da OIT, se deu, inicialmente, pela movimentação sindical e de pesquisadores, sem contar com o apoio dos empregadores. O processo organizativo da OIT ocorreu, dessa forma, porque, naquele momento histórico, as questões beligerantes ocorriam entre Estados, que necessitavam de trabalhadores para reconstrução de suas infra-estruturas. O processo organizativo de trabalhadores e pesquisadores acabaram redundando na estruturação de um pensamento humanista e jurídico que pudesse cimentar as bases institucionais para a futura OIT. O primeiro dirigente da OIT, Albert Thomas, deputado socialista, renunciou seu mandato de deputado na França para assumir o cargo de diretor-geral da OIT. Importante ressaltar que o primeiro Convênio da OIT traduz o compromisso de diálogo e pacificação social, simbolizado no estabelecimento de limitação de jornada para o setor industrial.

Do ponto de vista vinculativo, quando o Estado-membro ratifica o compromisso internacional se consolida, primeiramente perante os demais membros dos demais Estados, para, posteriormente ser adotado perante o direito público interno. A partir de 1996, a OIT, cria Comissão de Expertos, para controle e cumprimento das normas da OIT. A introdução de tal órgão de controle decorre das transformações do mundo do trabalho, em especial, dos fundamentos sócio-históricos que nortearam a criação da OIT, basicamente sob influência européia, já que com a globalização econômica, os problemas gerados no mundo do trabalho, também verificam-se para além das fronteiras européias, portanto, nos países do terceiro mundo e nos países em desenvolvimento, também verificam-se os problemas trabalhistas “mundializados”.

Dentre as novas premissas da OIT, procura-se mitigar as formas de competição desleais entre os países, estabelecendo-se um piso mínimo de concorrência entre os mesmos. Dessa forma, as novas expressões normativas devem levar em consideração as mutações do mundo do trabalho. Portanto, nesse novo contexto, os órgãos de controle da OIT, buscam adequar as velhas regras as nova realidades, promovendo releituras das velhas normas da OIT, frente às novas realidades sócio-econômicas.

Após a adoção do convênio adotado, o Estado-membro, submete-se ao controle regular da OIT, seja na forma de memória/relatório enviado a OIT indicando as medidas adotadas para promoção da convenção adotada submetida a análise da Comissão de Expertos da OIT. O controle não regular previsto nos art. 24/26 Constituição da OIT, pode ser formulado por entidade sindical na forma de queixa contra o Estado por incumprimento de norma internacional, perante o órgão de controle da OIT.

A Comissão de Expertos da OIT tem por princípio o cumprimento das NIT’s, é especializada em Direito do Trabalho, Direitos Humanos e Direito Internacional, a comissão reúne-se uma vez ao ano e seu funcionamento tem como instrumento de trabalho as memórias dos países, convênios, sentenças, pronunciamentos prévios da comissão. A manifestação da Comissão não possui natureza coercitiva, entretanto suas decisões produzem sanção de natureza moral, perante os demais membros do Direito Internacional do Trabalho.

Ainda, sobre as questões relativas aos órgãos de controle na temática sindical, Dr. Horacio Guido, coordenador do departamento de normas internacionais do trabalho da OIT/Genebra, tratou do tema, nesse sentido, a operacionalização das formas de controle para aqueles Estados-membros, que não tenham adotado ações para o cumprimento satisfatório de Convênio ratificado, nesses casos, de acordo com a Constituição da OIT, a insurgência ocorre mediante provocação perante Escritório da OIT e o Conselho de Administração. Na hipótese de reclamação, pode ser proposta por entidade sindical representativa de empregados ou empregadores. Na situação de queixa, essa pode ser apresentada por Estado-membro que tenha ratificado a norma objeto da queixa, por componente do próprio Conselho de Administração ou de delegado presente na Conferência Internacional do Trabalho.

5. O COMITÊ DE LIBERDADE SINDICAL DA OIT. O temário tratado sobre a Comissão de Liberdade Sindical da OIT e as Convenções básicas em matéria sindical (87 e 98), apresentadas por Horacio Guido, destacam a relevância das normas internacionais de trabalho relacionada a matéria de liberdade sindical e direito de negociação coletiva.

No aspecto descritivo do Comitê de Liberdade Sindical, revela-se, num comitê tripartite, elaborador de informe onde se formulam recomendações à Conferência anual. Foi criado em 1951 e reúne-se três vezes por ano. Sua missão institucional visa assegurar e promover o direito de associação dos trabalhadores e empregadores, bem como examinar as queixas ou reclamações apresentadas contra governos acerca de violações dos convênios e princípios em matéria de liberdade e autonomia sindical. As decisões são tomadas por unanimidade e são indexadas no documento denominado RECOMPILAÇÕES do COMITÊ de LIBERDADE SINDICAL, que nada mais é que uma coletânea das decisões do comitê, ordenadas cronologicamente acerca dos mais diversos temas. De especial relevo que suas decisões não estão delimitadas pela ratificação ou não de Convenção pelo Estado-membro denunciado, nem tampouco por decisão judicial, sua atuação está pautada pela apreciação do exame fático.

Os documentos basilares do Comitê de Liberdade Sindical são as Convenções 87-liberdade sindical, 98-direito de sindicalização e proteção contra atos discriminatórios e de negociação coletiva, 135-proteção da representação dos trabalhadores contra atos patronais limitadores do exercício da liberdade sindical, 151-direito de sindicalização e de negociação dos servidores públicos e 154-estímulo as negociações coletivas.

6. LIBERDADE SINDICAL – CONVENÇÃO 87 DA OIT. Dispõe sobre a liberdade sindical e proteção do direito de sindicalização aprovada em 1948, foi ratificada por 149 estados membros. Segundo Horacio Guido, é ferramenta fundamental assecuratória de outros direitos das NIT´s. A palavra-chave da liberdade sindical é a INDEPENDÊNCIA frente aos empregadores e o Estado. Tanto nos documentos de Constituição da OIT, como na Declaração de Filadélfia, a liberdade sindical, é preconizada como princípio fundamental assecuratório para as condições de trabalho e de progresso das relações sociais num ambiente de pacificação social. Tal desiderato foi ratificado na Declaração relativa aos direitos fundamentais no trabalho (1998).

A estruturação do texto da Convenção prevê, nos seus arts. 2.º ao 7.º, constituição e composição das organizações sem autorização prévia, em especial na autodeterminação da administração das organizações (art. 3), regrando seus estatutos, elegendo seus representantes, organizando reuniões e assembléias, administrando financeiramente e desenvolvendo suas atividades políticas.

Interessante observar que o direito de greve não aparece expressamente nos documentos da OIT, mas no art. 3 da Convenção 87 e nas Recompilações do Comitê de Liberdade Sindical, asseguram o reconhecimento desse direito como sendo fundamental aos trabalhadores e de suas organizações para a promoção e defesa de seus interesses econômicos e sociais, apesar do Brasil possuir regulação própria para o tema. No art. 4.º assegura-se a proteção contra dissolução e suspensão das organizações, ainda direito de constituir federações e confederações (art. 5.º), afiliação internacional (art. 6.º).

Por fim, é digno de destaque, que a ratificação da Convenção 87, trata-se de matéria controversa no âmbito do movimento sindical brasileiro, não pelos seus aspectos principiológicos, mas em verdade, pelos possíveis efeitos duma eventual aplicação no Brasil, sem ressalvas ou regras de transição, que poderiam provocar o desmantelamento e enfraquecimento, ainda maior, do movimento sindical, seja pela fragmentação e/ou pluralidade induzida por atores diversos que não os próprios trabalhadores, p. ex. entes estatais ou patronato, em claro prejuízo da representatividade dos trabalhadores, ou por outros fundamentos, qual seja, pela ausência de fixação de contornos precisos acerca da futura garantia de sustentação financeira das entidades sindicais, com a eventual supressão do imposto sindical e/ou contribuição negocial.

7. LIBERDADE SINDICAL – CONVENÇÃO 98 DA OIT. Convênio sobre o direito de sindicalização, negociação coletiva e proteção contra atos de discriminação sindical, aprovado em 1949. O texto legal versa sobre a proteção das organizações de trabalhadores e empregadores contra: a) atos de ingerência recíproca preconiza total independência das organizações de trabalhadores frente a organização dos empregadores. Importantíssimo salientar que, segundo o painelista Horacio,são necessárias disposições legais expressamente definidoras dos atos de ingerência, prevendo sanções eficazes e dissuasórias de tais práticas. Os atos de ingerência devem estabelecer restrições ao princípio de negociação livre e voluntária, ou seja atingem o princípio da obrigação de negociar de boa-fé. Noutras palavras, a definição de negociação de boa-fé implica na realização de esforços genuínos e consistentes de ambas partes para alcançar um acordo, o que não implica na obrigação de chegar a um acordo; b) proteção contra atos de discriminação, ou seja nenhuma pessoa deve ser submetida a discriminação no emprego por causa de sua atividade ou de sua afiliação sindical. Medida assecuratória da liberdade de ação sindical, notadamente para os dirigentes sindicais, devendo possuir natureza efetiva que confira proteção eficaz com mecanismos judiciais céleres, protetores dos empregados vitimados pela discriminação odiosa com dispositivos preventivos e dissuasivos dessas práticas, combinados com eventual compensação pecuniária suficientemente limitadora dessa prática. Ainda com adoção de mecanismo processual fundamental, qual seja a inversão do ônus probatório. A referida proteção deve abranger desde a contratação, vigência e até o término do contrato.

8. CONCLUSÃO. A iniciativa da OIT no sentido de mobilizar e sensibilizar os operadores do direito, para que rompam a barreira da mera ratificação formal da Convenção da OIT pelo Estado-membro, ou seja promovendo um “sopro de vivacidade” das normas, para sejam além de conhecidas, especialmente, manejadas pelos operadores do direito com o fito de conferir-lhe maior efetividade social, objetivo patente na atividade desenvolvida. Em suma, a OIT proporcionando esses eventos de estudo das normas internacionais do trabalho, publiciza e auxilia os operadores do direito na busca de soluções para os vazios legislativos e fornecendo elementos hermenêuticos para o progresso da ciência jurídica laboral.

Sandro Lunard Nicoladeli é advogado, assessor de entidades sindicais, professor de Direito do Trabalho/OPET, mestre em Direito pela UFPR, participante da atividade promovida pela OIT.

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