Armar ou desarmar

Sem a importância que o assunto requer, o Congresso Nacional está prestes a sacramentar mudanças substanciais da lei relativa ao uso, porte e posse de armas. O embate político, talvez movido pela onda de violência que assola o País, enveredou cegamente para a pura e simples proibição da comercialização e do porte de armas, ampliando as penas para os que descumprirem as normas, assim como também ampliando a idade para os casos excepcionados da proibição geral. Um debate desse calibre, em outras sociedades, como a norte-americana, é feito com a participação ativa dos cidadãos, ao contrário daqui, onde o tema fica restrito às posições partidárias ou pessoais dos parlamentares encarregados de pensar o que imaginam querer o povo.

Armar ou desarmar os cidadãos de bem não é uma coisa tão simples quanto parece. Em primeiro lugar, porque esta é uma questão que não está colocada para o outro lado – o do mundo do crime, organizado ou não. Vai daí que, já de cara, vê-se o fumo da boa razão também no que diz o presidente da Associação Nacional de Proprietários e Comerciantes de Armas, Antônio Alves: “Não há como – disse ele recentemente -aceitar que o direito de se defender seja retirado do cidadão sem que o Estado garanta sua segurança”.

Em outras palavras: se o Estado é incapaz, como se tem demonstrado, de prover a segurança dos cidadãos, seja no campo, seja na cidade, estes são compelidos a fazer pelas próprias mãos e com os próprios meios. Uma arma em casa, no carro ou na cinta equivale a outras providências já corriqueiras como as de elevar os muros, eletrificá-los ou equipá-los com uma parafernália eletrônica, geralmente cara, mas não raro de eficiência duvidosa. Na guerra de todos os dias, a cultura do medo tem encorajado apenas os agentes do mal.

Excetuando-se a parte que toca aos traficantes de armas e munições, todas as demais mudanças mereceriam um debate mais amadurecido da sociedade. O referendo, a princípio marcado para o ano de 2005, atirou para depois uma discussão que deveria acontecer agora. O tema segurança é tão ou mais importante para o cidadão comum que estes relacionados à reforma previdenciária, à reforma tributária, àquela política ou mesmo à da legislação trabalhista.

Muito mais que o simples rearranjamento da legislação, com proibições mais severas e castigos mais longos, é importante a tomada de consciência da sociedade inteira. Está provado que multas e penalidades, por maiores que sejam, são incapazes de conduzir, sozinhas, as pessoas pelo caminho reto, assim como a pena de morte não vai eliminar de vez a prática de ações violentas por parte de facínoras e bandidos. Estes, pelo contrário, são encorajados sempre que alguém orienta como única opção a completa falta de reação dos assaltados, invadidos e agredidos.

Não que estejamos a pregar que toda ação violenta deva ser respondida com outra violência. Não. Mas a completa rendição também não será o único caminho através do qual devam trilhar os homens de bem. Vem do tempo das cavernas a necessidade de ser forte para ousar sobreviver. Forte fisicamente ou forte na astúcia, mas de alguma forma superior aos agentes do mal. Daí porque ao desarmamento geral pretendido deve corresponder, nem que de forma incipiente e débil, uma outra iniciativa capaz de neutralizar o avanço desse inimigo sem rosto que faz refém de sua total inércia o próprio Estado.

Voltar ao topo