Árabes: Uma história de riqueza, solidariedade humana e celebrações

Ao contrário do que trazem certos pré-conceitos, a base dessa misteriosa cultura oriental é toda feita de equilíbrio e harmonia. Pelo menos é assim que vivem os árabes, cerca de 1.500, em Curitiba, por pelo menos 85 anos, quase um terço da idade que hoje completa a capital paranaense. Durante todo esse tempo, muitas foram as suas contribuições. Expandiram o comércio local, que era mínimo quando aqui chegaram. Trouxeram riquezas e transformaram a economia da cidade. Além de terem enfeitado ainda mais a nossa cultura com preciosidades: a música, a dança, a comida, as festas, os detalhes das construções, as crenças e tradições.

Apesar da perfeita harmonia entre cristãos e muçulmanos, cada colônia conserva suas especificidades que, quanto mais diferente (oriental), mais curiosidade desperta, fato que, muitas vezes, leva ao surgimento dos preconceitos. O jornalista recém-convertido ao islamismo, Omar Nasser, curitibano descendente de árabes, explica que o princípio básico da religião é o equilíbrio e, também, a abertura. "A religião muçulmana é muito permeável para novos seguidores. É uma caminhada para a busca do autoconhecimento, da transcendência. É a prática que faz do crente o verdadeiro muçulmano", explica Omar.

Questionado sobre a dificuldade em manter crenças tão diferentes e, de certa forma, conservadoras em uma sociedade ocidental, Omar foi franco: "não é fácil, é um conflito que se estabelece entre o imigrante e a sociedade receptora. Tem muçulmano que veio e, meio século depois, ainda permanece fiel às suas origens, enquanto outros não praticam mais?. Segundo o jornalista, tudo isso é possível, o segredo é Jihad (maior): ?cabe ao indivíduo lutar contra o próprio ego, contra suas vontades, essa é a verdadeira guerra. Significa esforço individual".

Árabes de origem, curitibanos de coração

"Mesmo falando quebrado, errado, me considero brasileiro. Para mim o Brasil é Curitiba. E Curitiba é o clima e as pessoas que eu gosto. Meu coração é curitibano com prazer e honra. Eu sou leite quente, quando chove fico feliz, torço para o povo paranaense", enfatiza Adnan Jezzini, proprietário do Bagdá Café, uma casa cultural típica.

"Consegui fazer minha vida aqui, formar quatro filhos nas tradições e crenças. Não tive dificuldade em manter minha cultura. Readquiri, aqui, minha identidade. Curitiba é uma cidade de primeiro mundo", declara Fouad Omairi.

"Sinto falta de Curitiba quando estou longe. Com certeza ganharia mais dinheiro em São Paulo, onde tenho meus parentes, mas não consigo. Não sou formado em nada, não tinha dinheiro quando cheguei aqui, trabalhando fui progredindo, Curitiba esteve sempre de braços abertos. Curitiba sempre foi boa e está ficando cada vez melhor", afirma Ghassan Abdou.

Sobre a dança e a música árabes, em Curitiba, Adnan Jezzini, que diverte orientais e ocidentais curitibanos, trata com toda a intimidade. "A música é muito rica, te balança e relaxa, quando é isso que você busca. É mais choro, mais grito, mais ondas. É mais sentimento", detalha Adnan. E a dança? "A dança é da mulher para ela mesma, acompanha a sua feminilidade e sua tradição. É o jeito delas se expressarem", explica.

E a festa continua

O grande detalhe das festas árabe-curitibanas é fazer com que todos os convidados se sintam como se fossem da família do anfitrião. Adnan se sente orgulhoso e realizado quando vê todas as raças juntas – americanos, franceses, alemães, todas adotando o espírito brasileiro. ?As pessoas não têm mais medo de conhecer as culturas. As coisas estão acontecendo, é solto e as pessoas se rendem. Aonde a mão te leva a expressar um sentimento você vai", filosofa Adnan.

Kibe, charuto, tabule, pasta de grão-de-bico com tahine, kafta, carneiro, arroz com lentilha (mjadara), abóbora recheada, além de deliciosas sobremesas – as folheadas (beclawa), a goma, as à base de semolina, Mamur (comum em festas como Natal, Ramadã, Páscoa, Dia do Sacrifício). Certamente todos experimentaram, aqui, pelo menos alguma dessas delícias árabes, que na mesa dos imigrantes dividem o lugar com o arroz e feijão. "A nossa alimentação em casa é dividida entre comida árabe e brasileira", conta o comerciante Fouad Omairi, 63 anos, que em agosto completa 49 de Curitiba.

Algo básico da culinária, ao menos, o Brasil e o Líbano têm em comum, mas cada um prepara à sua maneira, como explica Fouad. "O café, inclusive, é diferente, feito com semente de cardamomo e preparado em um estilo tropeiro e não é filtrado para servir", explica. Mas a integração é tanta que até os gostos se adaptaram. "Sou brasileiro, graças a Deus. Como feijoada, dobradinha, mocotó", conta Ghassan Abdou, de 49 anos, que veio do norte do Líbano há 30 anos.

O prazer em estar junto e bem receber. Essas são duas das características marcantes da raça. O árabe, em geral, sente prazer em reunir a família e os amigos e bem recepcionar quem quer que seja convidado à casa. Isso também tem explicações. "Esse prazer vem da tenda, da tribo. Nos sentimos seguros onde tem o clã. A união elimina muitas coisas negativas que possam nos atrapalhar. São prazeres sadios. O árabe sempre lutou por esses valores", completa Adnan Jezzini.

Homus ou pasta de grão-de-bico

Lave 1/2 kg grão de bico e deixe de molho. Cozinhe e deixe esfriar. Bata no liquidificador com molho de Tahine (óleo de gergilim  – tahine (4 colheres) – alho (4 dentes), amassado com sal e pimenta síria, dois limões e dez colheres de água, misturar até ter consistência de mingau). Regar com azeite de oliva e comer com cebola e pão árabe.

Sírios-libaneses, os mais numerosos

* A presença de sírio-libaneses, no Paraná, teve início em 1890, ligada à cultura do mate.

* Nos anos de 1906 e 1907, 28 sírios nasceram em Curitiba.

* De 1872 a 1921, não houve registro de naturalização. Porém, de 1922 a 1940, houve 15 processos de naturalização de sírios e quatro de libaneses.

* Em 1940 havia 1.516 sírio-libaneses no Estado (961 homens e 555 mulheres). Desses 296 naturalizados – 220 homens e 76 mulheres.

* Tradicionais famílias imigrantes do Estado, principalmente de Curitiba: Sabbag; Tacla (1923); Cury; Gibran (1918); Domit (1925); Zacharias; Abage; Akel; Feres; Merhy; Nasal; Fatuch; Karam; Nasser; Rame; Rached; Seade; Nahas; Sahli; Salim; família Zuquib; Mussi; Kalil; Absab; Schueri; Caluf; Surugy.

* Locais das casas de comércio árabes em Curitiba: Praça Tiradentes, Praça Generoso Marques; Rua XV de Novembro, Rua Riachuelo; Rua Barão do Rio Branco; Rua José Bonifácio; João Pessoa; Marechal Floriano Peixoto; Dr. Muricy; Saldanha Marinho.

* Entidades sociais árabes na capital: Clube Sírio Libanês, Centro Cultural Árabe, Sociedade Beneficente Muçulmana do Paraná e Federação das Entidades Árabes Brasileiras do Paraná. A mais antiga é de 1917, "União Síria Paranaense", mais tarde Sociedade União Paranaense.

Fonte: Livro ?Da Imigração à Fundação do Clube Sírio-Libanês do Paraná?, de Márcia Dalledone Siqueira.

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