Apaziguando os espíritos

A vida é complexa. Incluindo-se aí a natureza.

Bem que gostaríamos que ela fosse simples, regular, previsível. Mas não é assim. É complexa. Cheia de contradições, de ambigüidades, de irregularidades, de incertezas que perturbam os espíritos.

Os cientistas, aproveitando suas experiências e observações, modernamente aceitaram as incertezas da vida e para continuar sua atividade adotaram alguns princípios em razão delas, mas com o objetivo também de chegarem a melhores resultados. O princípio básico e de que partem é aceitar as incertezas. Um outro é o da refutabilidade das teorias, isto é, uma teoria é válida somente até que se mostre inconsistente. Além disso, afirmou-se a necessidade de considerar a conexão dos fenômenos e, portanto, a comunhão dos saberes.

Se tal atitude não afastou as inquietudes que têm os cientistas, pelo menos os deixou mais disponíveis intelectual e psicologicamente para prosseguirem em seu trabalho.

Mas, nós, os simples, que vivemos o cotidiano da vida, neste cenário multiforme e que o sentimos desconcertante pelas contradições, ambigüidades e incertezas, como continuar sem perder a esperança para resistir ao dia-a-dia e a crença na validade do esforço para construir um mundo melhor?

As velhas receitas do estoicismo, da supressão da vontade e do desejo, da resignação ao mistério do plano divino ou da exaltação da vontade humana para edificar a vida de cada um e da humanidade, todas elas mostram-se insatisfatórias para quietar o espírito do homem no rumo a seguir.

Alguns pensadores, agora, estão nos dizendo que, pela vida, passamos, como o universo, por um constante processo de ordem-desordem-organização. Como somos condicionados, mas não determinados, temos autonomia para construir nossa própria identidade, na dependência do meio. E, como sujeitos, a possibilidade de intervir para a edificação de um mundo melhor.

Satisfaz-nos saber desse processo? É, pelo menos, uma explicação para as alternâncias de mudanças, variações e provisórias estabilidades pelo tempo. Se aceita, a explicação, compreender-se-ão as transformações por esse movimento, com a participação possível do homem onde possa atuar, sem que as frustrações pela descontinuidade ou pelo imprevisto sejam fatais, porque já se tem a advertência de que a marcha é assim mesmo.

Se a atuação do homem em sua construção e do mundo segue uma pauta de valores que foram criados e triados pela civilização e o rumo da atuação é o da solidariedade, progride o processo de organização da sociedade humana, embora com interrupções e recuos causados por fatores contrários, como mostra o curso da história.

Essa descrição de um mundo de incertezas, contradições, ambigüidades e a explicação do processo da evolução talvez nos ajudem a entender ao que assistimos pelo mundo, por este Brasil, por perto de nós. E a continuar fazendo, com esperança, o que é possível pelo todo de que somos parte.

J. Ribamar G. Ferreira

é advogado e professor aposentado da UFPR.

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