Antes da tragédia da Gol, órgão já alertava controladores

Um mês antes da tragédia com o vôo 1907 da Gol, o boletim interno da Associação Brasileira de Controladores de Tráfego Aéreo (ABCTA) já alertava seus filiados sobre a responsabilidade civil em caso de acidente aéreo. Assinado por Wilson Floripes Júnior, integrante da ABCTA, o artigo da página 3 começa fazendo referência à conduta dos controladores de vôo: "Freqüentemente os ATCO’s (controladores de vôo, na sigla em inglês) desenvolvem uma tendência a se colocarem acima do bem e do mal. Ou seja, tendemos a ignorar as regras e regulamentos de tráfego aéreo e impomos nossa personalidade à aviação", diz o texto, publicado no início de setembro no jornal da categoria, batizado de Contato Radar.

Em seguida, o autor analisa três artigos do Código Civil brasileiro que definem, juridicamente, o que é negligência, imprudência e imperícia. E questiona: "Será que alguns dos senhores já se viu em uma dessas situações? Provavelmente sim, mas como tudo deu certo, ficou por isso mesmo." O autor também faz questão de lembrar os controladores que, em caso de acidente "as empresas aéreas, companhias de seguro e famílias das vítimas vão procurar um culpado e ele geralmente é o Estado." Mas adverte: "É aí que entram os cursos (radar, etc.), os testes operacionais, a inspeção de saúde… tudo isso é feito para que o Estado esteja isento de culpa, e adivinha onde ela vai recair?".

Para profissionais ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo, o texto é ‘profético’. "Foi exatamente o que aconteceu com os colegas que trabalhavam no dia do acidente, parecia que estávamos adivinhando", diz um controlador do centro Brasília (Cindacta-1). Há pelo menos três anos, diz ele, o número de funcionários do mais movimentado centro de controle aéreo do País – responsável por monitorar cerca de 80% dos vôos – é insuficiente. "O texto é claro. Nós estávamos trabalhando além da nossa capacidade", afirma o controlador.

Após o choque entre o Boeing 737-800 da Gol e o jato Legacy, que deixou 154 mortos no dia 29 de setembro, oito controladores e dois supervisores do Cindacta-1 foram afastados preventivamente de suas funções. A medida, praxe em situações desse tipo, fez com que outros 36 profissionais pedissem licença médica no período de 29 de setembro a 6 de novembro. Com um quadro de funcionários já defasado, o Cindacta-1 acabou entrando em colapso dias antes do feriado de Finados.

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