Aniversário

Hoje é seu aniversário. São 15 velas tentando iluminar a penumbra, que, aliás, já foi escuridão. Mas, apesar de jovem, ou talvez exatamente por isso, ela é muito falada e pouco respeitada.

Nascida a 5 de outubro de 1988 (após uma espera de quase um quarto de século), a Constituição Cidadã ainda é pouco conhecida do brasileiro comum. E se é verdade que a década de 90 marcou o início do estudo do Direito Constitucional no Brasil, não é menos verdade que, na prática, os valores que a Constituição consagra permanecem à espera de intérpretes que possam efetivá-los.

Quando a Constituição foi promulgada, o Presidente da Assembléia Nacional Constituinte expressava o entusiasmo geral: “Chegamos! Esperamos a Constituição como o vigia espera a aurora. A persistência da Constituição é a sobrevivência da Democracia (…) que este Plenário não abrigue outra Assembléia Nacional Constituinte. Porque antes da Constituinte, a ditadura já teria trancado as portas desta Casa” (1).

Não se pode dizer que a partir da nova Constituição nada tenha mudado; ao contrário, muitas foram as transformações promovidas pelo novo texto constitucional. Mas é preciso admitir que ela continua sendo tratada como uma espécie de filho enjeitado. E as causas, talvez, devamos buscá-las em nosso próprio passado.

O Direito Constitucional brasileiro tem sido, ao longo da História, um grande mal-entendido. Golpes de Estado dos mais variados quilates; Cartas Constitucionais outorgadas para garantir o poder nas mãos de pequenos grupos autoritários; Constituições promulgadas com muita pompa para, logo em seguida, serem engavetadas à espera de intérpretes que demoravam a chegar e, quando apareciam, muitas vezes vinham deturpá-las.

Tivemos sete Constituições, das quais três foram impostas ao povo com a finalidade de manter o controle do poder estatal nas mãos de grupelhos autoritários. Foi assim em 1824, quando D. Pedro I extinguiu a Assembléia Nacional Constituinte com a justificativa de que esta não estava elaborando uma Constituição que fosse digna do povo e dele, Imperador (!!!). Poucos dias depois, Sua Majestade outorgou uma Carta Constitucional, feita de encomenda por um grupo que lhe era submisso e representava o poder dos marqueses, condes e viscondes.

Foi assim também em 1937, quando Getúlio Vargas, no amanhecer do dia 10 de novembro, pelo rádio, anunciou ao povo uma nova Carta Constitucional e, com base nela, implantou o que chamou de Estado Novo. E não foi diferente em 1967, quando os militares outorgaram uma Carta Constitucional cuja finalidade era dar contornos de legitimidade ao golpe de 1964, com o qual haviam soterrado a Constituição redemocratizadora de 1946.

Mas o problema é ainda mais grave se observarmos que, das sete Constituições brasileiras, nenhuma foi efetivada. Outorgadas ou promulgadas, nenhuma delas foi verdadeiramente aplicada. A ausência de efetividade das Constituições brasileiras foi constatada por Manoel Bonfim ainda em 1931, um ano antes da morte desse constitucionalista esquecido: “Com Pedro I se iniciou, no Brasil, o costume, que já é tradição, de haver Constituição para não ser cumprida. Nunca o foi a do Império, como nunca o foi a da República, e nessa mentira essencial vive a nação brasileira.” (2)

O ano de 1988 não significou apenas a substituição de uma Constituição por outra. O que mudou, com a nova Constituição, foi o fundamento de validade da ordem jurídica. E é necessário compreender o sentido profundo dessa mudança, sob pena de continuarmos com uma Constituição que não é aplicada.

(1) GUIMARÃES, Ulysses. Sessão Solene de Promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil. Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, 1988, n. 100, p. 6 e 12.

(2) BOMFIM, Manoel. O Brasil Nação: realidade da soberania nacional, 2. ed., Rio de Janeiro: Topbooks, 1996, p. 103.

Zulmar Fachin

é professor de Direito Constitucional na graduação, na pós-graduação e na Escola do Ministério Público do Paraná (Londrina e Maringá), doutor em Direito do Estado (UFPR) e mestre em Direito (UEL), mestrando em Ciência Política (UEL) e aluno da pós-graduação (doutorado) em Ciência Política na USP.

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