Análise de veto parcial à lei do piso salarial regional

O Governador Roberto Requião sancionou a lei que institui o piso salarial regional. A solenidade foi na Assembléia Legislativa, como homenagem aos parlamentares que, a unanimidade, aprovaram a proposta. O Governador foi acompanhado pelos dirigentes sindicais dos trabalhadores, de todos os segmentos profissionais e ramos de representação político-sindical. Efetivamente, proposição inicial da Nova Central Sindical dos Trabalhadores foi incorporada por todos os setores sindicais, em um amplo movimento unitário. Ressalte-se a posição do presidente da Assembléia Legislativa, deputado Hermas Brandão, ao possibilitar amplo debate sobre o tema com a presença constante dos dirigentes sindicais nas sessões legislativas, além de rapidamente colocar em votação o projeto de lei. Finalmente, todos os parlamentares sensibilizaram-se para a proposição e posicionaram-se no sentido de respaldar a proposta.

Governador Roberto Requião sancionou a lei com veto ao parágrafo único do artigo 3.º, com a seguinte redação: ?Art. 3.º… Parágrafo único: Caso o piso salarial constante de acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho seja inferior ao valor do piso salarial instituído nesta lei, será garantido ao trabalhador pagamento do valor ora instituído?. O veto visa adiantar-se ao possível questionamento do texto legal perante o Supremo Tribunal Federal, através de ação direta de inconstitucionalidade anunciada pelas entidades sindicais patronais.

Em nosso comentário sobre o texto vetado, em edição anterior do caderno ?Direito e Justiça? (14.05.06), afirmamos sobre o parágrafo único do art. 3.º: ?Dispositivo legal que garante que os pisos salariais firmados em acordos e convenções coletivas de trabalho prevalecem sobre os valores indicados na lei, desde que superiores aos mesmos. Mas se inferiores, conforme está claro no parágrafo único, serão aplicados os valores da lei. Trata-se do princípio da prevalência da lei quando esta for mais benéfica que as normas dos instrumentos normativos inter-sindicais. Visa, ainda, impedir a burla da lei, com a fixação de instrumentos normativos que prejudiquem os trabalhadores. O questionamento apresentado sobre este parágrafo, por representantes das entidades sindicais de empregadores e por alguns parlamentares, repousa na afirmação de que a lei do piso salarial regional se destina a categorias profissionais sem proteção do acordo ou da convenção coletiva de trabalho. Entretanto, o que se evidencia é que, na existência de acordo ou convenção coletiva de trabalho fixando valor inferior ao piso fixado em lei, esta prevalece sobre aquele, pois inconcebível que os trabalhadores sem representação sindical ou sem instrumento normativo protetor, percebam salários superiores aos trabalhadores que são protegidos por normas coletivas salariais. Neste sentido, a lei paranaense avança em relação aos textos do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul que não têm esta previsão legal.?

A conseqüência do veto abre a possibilidade de pisos salariais diferenciados nas categorias profissionais no que se refere aos setores que possuem acordo ou convenção coletiva de trabalho com pisos em valores menores aos da lei, enquanto que os setores sem tais instrumentos normativos terão garantia de pisos em valores superiores. O parágrafo vetado visava impedir esta situação, além de determinar a prevalência da lei sobre acordos e convenções coletivas que viessem a fixar pisos inferiores aos do texto legal, desnaturando o sentido da lei de garantia de salários regionais por categoria profissional.

Entretanto, a avaliação do Governador Roberto Requião foi de atender as ponderações dos setores empresariais, em benefício da manutenção da lei, com o objetivo de que as partes, em consenso, nas negociações coletivas, possam, gradativamente, atingir aos níveis salariais indicados na lei. Certamente, será o que ocorrerá, mesmo que esse ajuste possa se delongar. Isto porque, mesmo sem este dispositivo protetor, a vigência de pisos salariais superiores aos propostos pelas entidades sindicais dos empregadores, suscitará atitudes dos dirigentes sindicais dos trabalhadores no sentido de pressionar para que os valores da lei sejam respeitados.

Muitos dirigentes têm assinalado preferir não firmar instrumentos normativos com valores dos pisos inferiores ao da lei, para que esta seja aplicada, forma de pressão legítima e dentro dos parâmetros das negociações coletivas em defesa dos interesses dos trabalhadores.

Por seu turno, as entidades sindicais de empregadores deverão medir as conseqüências negativas e desestimulantes em manter em acordos e convenções coletivas de trabalho pisos salariais inferiores aos da lei.

Teremos, assim, neste início da aplicação concreta da lei, a gradativa acomodação dos setores profissionais e econômicos em face a elevação necessária dos níveis salariais em favor do crescimento da massa salarial e do desenvolvimento econômico-social. Será o momento em que as dúvidas serão apresentadas aos advogados das entidades sindicais para aprofundar o entendimento da lei, pois toda a novidade legislativa de início oferece dificuldades inúmeras.

Afora o dispositivo vetado pelo Governador, no mais a lei estará sendo aplicada de imediato, já que a vigência da mesma é a 1.º de maio. Os trabalhadores não protegidos por normas coletivas desde já poderão reivindicar a fixação dos novos níveis de salário. Tais trabalhadores têm representação sindical pelo sindicato ou federação. Eis que, mesmo não havendo o instrumento normativo abrangente a determinada categoria profissional em município específico, a representação poderá ser do sindicato e, na ausência dessa representação sindical, pela federação do setor.

Outro ponto que suscitou indagações, diz respeito a não aplicação da lei aos servidores municipais. Porém, o artigo 3.º é explícito a respeito: ?Art. 3.º –  Esta lei não se aplica aos empregados que têm piso salarial definido em lei federal, convenção ou acordo coletivo e aos servidores públicos municipais?. Isto porque os servidores públicos municipais têm suas remunerações fixadas por lei municipal aprovadas com diferenciações em cada município, neste caso respeitado o salário mínimo nacional.

As empregadas(os) domésticas(os) têm situação definida na lei, quer na especificação do valor de R$ 429,12, como no artigo que trata da aplicação do texto legal: ?Art. 4.º A presente lei aplica-se aos trabalhadores domésticos?. Este valor está em vigor desde 1.º de maio.

No que se refere aos servidores públicos estaduais também são regidos por legislação específica aprovada anualmente e, na situação atual, através de proposta encaminhada pelo Governador do Estado a Assembléia Legislativa, com pisos superiores aos da nova lei.

As categorias profissionais que não são apontadas na lei serão atendidas pela entidade sindical representativa, pois a lei é enumerativa, indicando as categorias profissionais abrangidas. Duas situações poderão ocorrer (1) a categoria profissional está especificada na lei, mas com outra denominação (2) categoria nascida das novas formas de trabalho, com denominações específicas. Em ambas as situações, a negociação coletiva pela entidade sindical poderá resolver o problema, ou o pedido judicial.

No que concerne à Justiça do Trabalho, qualquer entidade sindical ou o trabalhador individualmente poderá acioná-la visando esclarecer a aplicação dos dispositivos da nova lei, inclusive através de ação de cumprimento em nome dos empregados prejudicados. No caso de dissídio coletivo de trabalho, a lei poderá servir como paradigma para a fixação de pisos salariais que, no caso do TRT do Paraná, estão sendo deferidos.

Outra questão importante diz respeito ao reajustamento dos valores fixados. A lei que indica a data-base para o reajuste anual dos pisos salariais em 1.º de maio. Desde já, está estabelecida a anualidade. Mas como se trata de lei, não havendo dispositivo de correção automática, a cada ano o Poder Executivo encaminhará a proposta a Assembléia Legislativa para estabelecer os novos níveis.

Papel fundamental será exercido pelo esclarecimento através da ação das entidades sindicais, dos organismos do governo estadual e da delegacia regional do trabalho. É importante que sejam publicadas cartilhas explicativas dos direitos dos trabalhadores e deveres das empresas, indicando locais onde esclarecimentos podem ser prestados. Este trabalho é fundamental para o êxito da efetiva aplicação da lei. As entidades sindicais representativas dos empregados e empregadores serão as responsáveis para a verificação das condições de efetividade da nova lei que, por certo, passará por um período de análise e implementação.

E-mail: edesiopassos@terra.com.br

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