Ame-o ou deixe-o

Nos anos de ferro da ditadura militar surgiu, por inspiração dos que sustentavam o regime de exceção, a expressão ?Brasil, ame-o ou deixe-o?. Seu significado extrínseco era e ainda pode ser convincente, porém seu sentido intrínseco e inspiração refletiam uma batalha ideológica que esvaziava o sentido do apelo. Tentava-se identificar como brasileiros que amavam o Brasil os que apoiavam o regime militar. E deveriam deixá-lo os que se opunham ao regime dos generais, aí sobressaindo as lideranças e militantes de esquerda que sofriam o cárcere, as torturas e os que conseguiam exilar-se. Dentre estes não havia só esquerdistas, mas também homens de centro-esquerda e de centro que lutavam pela restauração da democracia.

São muitos os exemplos e hoje essas vítimas do regime de exceção podem ser encontradas nos partidos de esquerda ou pseudo-esquerda, como o PT, mas também nos de centro-esquerda ou centro, apelidados de neoliberais, como Fernando Henrique Cardoso e José Serra. Ambos viveram no exílio.

A expressão volta a ser lembrada agora num artigo do jornalista Clóvis Rossi, comentando o êxodo de brasileiros e latino-americanos em geral para países mais desenvolvidos, fugindo do caos político, do subdesenvolvimento, da desesperança, da falta de segurança e de oportunidades de trabalho e desenvolvimento. Temos lido e assistido na televisão, quase todos os dias, terríveis histórias de brasileiros, mexicanos e outros latino-americanos presos ao tentarem, como clandestinos, entrar nos Estados Unidos e outros países. Pior do que isso, muitos têm sido mortos nessa batalha por melhores oportunidades, quando deixam para trás os seus países natais e, quase sempre, suas famílias.

Esses latino-americanos também buscam países europeus, como a Grã-Bretanha. Há poucos meses um brasileiro foi assassinado pela polícia britânica, no metrô, confundido com algum terrorista. A versão da polícia britânica não se coaduna com os fatos e revela truculência e, o que nos pareceria inconcebível, incompetência da Scotland Yard. Era um trabalhador brasileiro e nada indicava que pudesse ser ou parecer-se com um terrorista.

Brasileiros também buscam entrar clandestinamente em outros países, dentre eles a Espanha e até o pequeno Portugal. Fazem o caminho inverso de capitais e de milhares de europeus que desde o passado distante até tempos mais recentes vieram buscar uma nova vida no Brasil. Aí estão também italianos, alemães, poloneses, ucranianos, árabes, japoneses. Por incrível que pareça, as terras das quais recebemos tantos imigrantes, fugindo de guerras e da fome, hoje surgem como tábua de salvação para a nossa gente desesperada. Gente que ainda ama o Brasil, mas precisa desesperadamente lutar para ver uma luz no fim do túnel, pois por aqui não enxergam futuro.

O Anuário da América Latina, preparado pelo Real Instituto Elcano de Estudos Internacionais e Estratégicos, uma fundação independente e privada da Espanha, ofereceu alguns números que revelam quão crescente é essa diáspora brasileira, mexicana e de outros irmãos latino-americanos.

Essa gente que hoje deixa o Brasil, ainda o ama e espera um dia poder voltar. Está na hora de acabarmos com o ufanismo e nossas autoridades, com um pouco de vergonha na cara, trabalharem para que seja possível um idílio do nosso povo com o nosso próprio País.

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