Alterações no Código de Processo Penal

Em primeiro de dezembro foi publicada a Lei n.º 10.792/2003, na qual restaram embutidas alterações à Lei de Execuções Penais e do Código de Processo Penal, sendo que neste, especialmente no Capítulo III. A maior mudança trata do “interrogatório do acusado”. Procuraremos neste artigo, abordar algumas alterações mais relevantes operadas no Código de Processo Penal.

A primeira ocorreu com a nova redação do artigo 185, na qual se exige a presença de defensor, constituído ou nomeado, para acompanhar o interrogatório do acusado, exigência essa não prevista na redação anterior, inclusive debatida nos nossos tribunais, onde ficou assentado que não era necessária a presença de defensor. Agora, a presença de defensor para acompanhar o interrogatório do réu é indispensável, desde a data da publicação da lei, cuja omissão, ao nosso ver, resulta em nulidade absoluta, sem necessidade de ficar ou não demonstrado o prejuízo.

O citado artigo 185, no seu Parágrafo Segundo, determina que “Antes da realização do interrogatório, o juiz assegurará o direito de entrevista do acusado com seu defensor.” Portanto, no caso do acusado não possuir defensor, ou ele não comparecer no ato de interrogatório, o juiz, além de nomear defensor, terá que possibilitar conversa reservada entre o réu e a defesa.

Por isso, o juiz antes de iniciar o interrogatório, além das perguntas relacionadas na nova redação do artigo 187, deverá perguntar se o réu entrevistou-se com o defensor antes do início do depoimento, e em caso negativo, suspender a ato para que acusado e defesa conversem reservadamente.

Quando a lei fala em conversa reservada quer dizer, sem a presença, inclusive dos policias, isso no caso do réu estar respondendo o processo preso, e por isso estar sendo escoltado.

Outra mudança substancial diz respeito ao local do interrogatório de réu preso está prevista na nova redação do artigo 185 Parágrafo Primeiro, o qual determina que este ato “será feito no estabelecimento prisional em que se encontrar”, salvo as hipóteses em que inexistir segurança para a realização do interrogatório nestes moldes.

Veja-se que pela redação deste dispositivo legal, a realização do interrogatório de réu preso, no estabelecimento prisional, é obrigatória. Cremos que neste particular o legislador foi infeliz, pois seria mais razoável que se facultasse ao Magistrado a realização do interrogatório no estabelecimento prisional, o que na praxe acreditamos que vá ocorrer, até porque, não haverá prejuízo ao acusado em razão do local da tomada do seu interrogatório.

Melhor seria que a lei autorizasse que nos casos em que a escolta do preso pudesse colocar em risco o seu deslocamento até o juízo, então sim o interrogatório deveria ocorrer no próprio estabelecimento prisional.

Outra omissão da lei foi quanto a autorização de interrogatório à distância, inclusive já implantado por alguns juízos criminais, segundo noticias veiculadas em revistas jurídicas e jornais. Quanto a este aspecto acreditamos que não tendo a atual norma autorizado esta modalidade de interrogatório, a vontade do legislador foi no sentido de não permitir a utilização desta técnica para interrogar réus presos. Cremos que a partir de agora não é mais possível realizar-se interrogatório à distância, porque o nosso legislador não quer.

Mudança importante diz respeito à interferência da defesa no interrogatório do acusado, que nos termos do artigo 187 da norma anterior era proibida.

Agora, segundo as disposições do artigo 188, restou assentado que “após proceder o interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender relevante”.

Portanto, com a mudança em comento, é obrigatório que o juiz, após o interrogatório, indague às partes, quanto a necessidade de alguns esclarecimentos, facultando perguntar ao acusado a respeito. Esta providência deve constar na ata da audiência.

É certo que a maioria dos juizes já vinham utilizando esta modalidade de procedimento, haja vista ser o que melhor se encaixa nos princípios da ampla defesa e do contraditório, consagrados na atual Constituição Federal.

Houve evolução relativamente à norma anterior quanto ao direito do réu optar por permanecer calado, porque a antiga determinava que o acusado deveria ser alertado que esta opção poderia vir em prejuízo da defesa, cuja previsão ao nosso ver não foi recepcionada pela atual Constituição Federal. Com a nova norma restou expresso que o juiz deverá alertar o acusado de que o seu silêncio “não importará em confissão, não poderá não ser interpretado em prejuízo da defesa.” Esta providência (cientificação do acusado) é indispensável antes de iniciado o interrogatório, sob pena de nulidade do ato.

Também houve a revogação do artigo 194 que determinava a nomeação de curador para réu menor de vinte e um anos, sendo, portanto, esta providência dispensável, inclusive nos interrogatórios tomados na fase policial. Esta matéria veio a entrar em melhor sintonia com o atual Código Civil, o qual concedeu maioridade civil aos jovens após os dezoito anos, não sendo por isso razoável considerá-los não suficientemente maduros para fins de interrogatório em feitos penais.

As perguntas ao acusado foram divididas em duas partes, conforme prevê o artigo 187, “caput”, sendo que uma é relacionada com a pessoa do acusado e a outra com os fatos.

A importante mudança diz respeito às perguntas sobre a pessoa do acusado, para fins de possibilitar a fixação da pena base, nos termos do artigo 59 do Código Penal. O citado artigo no seu Parágrafo Primeiro prevê que “o interrogado será perguntado sobre a residência, meios de vida ou profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua atividade, vida pregressa, e outros dados familiares e sociais.”

Portanto, no caso do réu não ser indagado sobre estes fatos no seu interrogatório, não poderá a pena base ser fixada acima do mínimo legal, salvo quanto ao referencial dos antecedentes, cuja comprovação se faz através de certidão pública.

Foi acrescentado ao artigo 261 o Parágrafo Único, em que ficou assentado que “A defesa técnica, quando realizada por defensor público ou dativo, será sempre exercida através de manifestação fundamentada.”

Ao nosso ver o legislador novamente foi infeliz nesta previsão, porquanto, deveria estender esta regra também às defesas constituídas, porque, não é raro encontrarmos defensores constituídos cometendo as maiores barbaridades nas defesas de acusados, cujo fato não pode ser imputado ao réu, haja vista que, com certeza ele imagina que contratando advogado inscrito na OAB, ele saberá defendê-lo. Do contrário, não o contrataria.

Na verdade, quando isso ocorre o acusado não é culpado, mas sim vítima deste “mercado” que se tornou a advocacia, e da sistemática de autorização para atuar nestas modalidades de defesa.

Neste particular, e pelos conhecimentos que temos a situação, mesmo das defesas constituídas em feitos criminais, é preocupante. Ressalte-se que esta afirmação não é regra, mas de qualquer forma deveria ser considerada pelo legislador ao momento de produzir o dispositivo em comento.

Finalmente, quanto a citação do réu houve mudança, pois, enquanto o anterior artigo 360 previa que “Se o réu estiver preso, será requisitado a sua apresentação em juízo, no dia e hora designados”, o atual prevê que “Se o réu estiver preso, será pessoalmente citado”. Segundo esta nova regra, o acusado não poderá ser citado por edital, se estiver preso, independentemente do juízo processante ignorar a prisão.

No mais, acreditamos ser importante alertar os magistrados e partes para o fato de que esta mudança entrou em vigor em primeiro de dezembro próximo passado, e segundo o princípio tempus regit actum, aplicado no direito processual penal, é imperioso que todos os interrogatórios de acusados realizados após esta data obedeçam este novo regramento, sob pena de nulidade.

Jorge Vicente Silva

é pós-graduado em Pedagogia em nível superior e Especialista em Direito Processual Penal pela PUC PR, autor de diversos livros publicados pela Editora Juruá, dentre eles, Tóxicos e Manual da Sentença Penal Condenatória. Todos os artigos do autor podem ser encontrados no Site: jorgevicentesilva.com.br e contatos através do E-mail:
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