A tese e a sustança

Alvo de críticas impiedosas ao aceitar o encargo de pensar o futuro à frente da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos, criada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e imediatamente batizada com a sigla ?Sealopra?, pois ainda estava na berlinda o desabafo presidencial ao chamar de aloprados os militantes do PT – alguns deles funcionários do governo – que teriam falseado um dossiê contra o governador José Serra, o filósofo Roberto Mangabeira Unger vai dando conta do recado. Aliás, não se poderia imaginar algo diferente, vez que o ministro desfruta o prestígio de ser professor da Universidade Harvard, instituição que deve aplicar critérios rígidos na escolha de seus quadros, ademais da extensa produção acadêmica e intelectual sobejamente conhecida.

A estranheza pelo ingresso de Unger no governo Lula, a quem poucos meses antes julgava inepto para a missão de presidir o Brasil e, pior, não conseguia se dissociar da imagem de político vulnerável à corrupção, apenas por estas observações estava plenamente justificada. As coisas mudaram rapidamente e o ministro Roberto Mangabeira Unger apregoa hoje uma realização pessoal que, tudo leva a crer, não teve nem nos áureos tempos do exercício da cátedra na afamada universidade norte-americana.

Em recente entrevista deixou transparecer o enunciado de que graças ao convite de Lula para integrar o ministério, finalmente veio a contar com o espaço institucional e os recursos materiais indispensáveis para defender as idéias pelas quais se debate há várias décadas. Destarte, não causou a menor surpresa quando o ministro voltou as baterias contra a evanescente tese do crescimento sustentado, uma das colunas mestras utilizadas para dar sustança a nove entre dez discursos pronunciados pelo presidente da República e, menina dos olhos dos tecnocratas que entrelaçam os fios da proposta messiânica do lulo-governo.

O ministro de Assuntos Estratégicos disse com todas as letras que desenvolvimento sustentado ?é uma tese sem conteúdo? e que, assim sendo, ?a grande convergência nacional sobre a Amazônia ainda se vale de uma abstração?. Unger tem razão quando alerta que a Amazônia não é apenas a maior coleção de árvores do planeta, mas também um grupo de pessoas que sem alternativas econômicas serão impelidas a atividades que resultarão na devastação da floresta. Faltou apenas ao ministro acrescentar à sua brilhante alocução que a ameaça de destruição da floresta não é representada pela presença ancestral dos nativos, mas da insopitável invasão de produtores rurais originários das regiões Sul e Sudeste, que desde os anos 70s começaram a se mover na direção do Cerrado e da Amazônia Legal, onde encontraram à custa do abate indiscriminado da floresta um imenso espaço para o cultivo da soja e criação de gado.

Entretanto, Unger está convencido que o governo não vai tratar a Amazônia como fronteira agrícola. É o primeiro resultado prático do Plano Amazônia Sustentável (PAS), mesmo que o ministro não tenha simpatia pela expressão conceitual. O Congresso discute um projeto que permite a compensação da área de reserva legal abaixo de 80% com a plantação de espécies destinadas à produção de biodiesel. As ONGs ambientalistas não admitem alterações no percentual mínimo da preservação, para a ira da bancada ruralista.

O remédio indicado pelo ministro Roberto Mangabeira Unger é o zoneamento para a produção de matérias-primas para biocombustíveis, incluindo a cana de açúcar, com a proibição do plantio em áreas de floresta. Para isto, o governo federal aguarda que os governadores dos nove estados que compõem a Amazônia Legal definam as microrregiões em que os cultivos serão autorizados pelo PAS, cuja meta primordial é a regularização fundiária das terras, a fim de eliminar os conflitos. Se necessário, com o auxílio do Exército. 

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