A saudade que ficou

A nossa vida é entrecortada de momentos bons, alegres, felizes e momentos ruins, tristes, acabrunhantes.

Entre os primeiros, a colação de grau, o casamento, o nascimento de um filho, a reunião em família, o Natal e tantos outros…

Já a morte, inevitável para todos, gera tristeza, abatimento, desolação.

Na minha longa vida de magistrado, foram muitos os bons momentos.

Entre estes incluo, com grande saudade, aquele em que conheci e desfrutei da amizade de uma pessoa especial: Assad Amadeu.

Lembro-me, enternecido, que aos sábados pela manhã, infalivelmente, Assad chegava em minha casa, na Rua Peru, para as tertúlias literárias e jurídicas.

Outros colegas e amigos também se deliciavam com aqueles momentos, admirando a argúcia e inteligência do extraordinário companheiro.

Passávamos horas e horas de enlevo, deleite e encanto intelectual.

Assad dominava a reunião, cigarro ao lábio, declamando, poetando, na modéstia inconfundível que também revelava seu grande talento.

Fazia jus ao epíteto do emérito vate e prosador Machado de Assis, “a modéstia é o aroma do talento, como o talento é o esplendor da graça”.

Sucederam-se os dias, até que, após minha viuvez, casando-me com Maria Alice, abençoado por Assad, recebi, dias depois, no nordeste brasileiro, a triste notícia: Assad deixara-nos, para poetar no firmamento divino.

Foi um duro golpe, que me abalou profundamente, não tendo outra reação, que a de procurar abrigo em uma igreja e orar, contritamente, pela alma do querido amigo.

O 7 de julho de 1985 marcou-me profundamente.

Agora, passados tantos anos, quando a saudade me domina, não sopito a vontade de escrever, relembrando o amigo, o juiz de escol, jurista de renome, vate de rara sensibilidade.

Do primeiro, restaram as sentenças judiciosas, seguidas de livros didáticos, como Embargos do Devedor e Ação de Consignação em Pagamento, afora a coluna, neste mesmo jornal, Direito & Avesso, que marcou época.

Do poeta, Pó do Deserto, Terra Abandonada, Miragem e O livro de Nós Dois.

Sua última produção, Lua Branca de Setembro, plena de encantadores sonetos e outros muitos poemas, verdadeiras elegias, consagra-no como dos maiores e melhores poetas.

Perdão, exemplo disso, merece transcrito, para sua perene exaltação:

“Perdoa o meu amor tão imprevisto,

as frases que eu jamais falei ou disse,

as ânsias de minh?alma, e essa tolice,

a angústia do querer que eu não desisto.

Perdoa o meu amor já nunca visto,

a tristeza de amar, a criancice

por ver-te em mim, em tudo, com meiguice,

perdoa, se ao amar, eu não insisto.

Perdoa o meu orgulho de poeta.

Perdoa o infinito do meu sonho,

perdoa, se ao amar, eu não insisto.

Perdoa o meu orgulho tão descontente.

E se a vida, em pedaços, recomponho

no claro de teus olhos, de repente…”

Este é Assad Amadeu, hoje cantando,

ternamente, nos braços do Senhor,

cercado de anjos, arcanjos e querubins…

Luís Renato Pedroso

é desembargador jubilado e presidente do Centro de Letras do Paraná.

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