A reforma da Justiça do Trabalho

O projeto de emenda à Constituição Federal de 1988 que introduz modificações na estrutura do Poder Judiciário, aprovado na Câmara dos Deputados, encontra-se no Senado Federal (PEC 29/2000), tendo como relator o senador José Jorge (PFL-PE), sendo previstas várias alterações na Justiça do Trabalho, em especial quanto a competência, ponto sobre o qual o Tribunal Superior do Trabalho vem se empenhando para manutenção da proposta relativa ao artigo 115 do relatório. Destacamos os pontos principais para breve comentário, comparativamente e baseado no nosso artigo publicado no caderno “Direito e Justiça” em 28.01.2001.

A composição do TST será de 27 ministros, número insuficiente diante do elevado número de processos, devendo continuar o estrangulamento atual. Neste sentido, a reforma não muda em nada a situação naquele Tribunal Superior. Atualmente, o TST convoca juízes do trabalho dos Tribunais Regionais por período limitado, mas o acúmulo processual não pode ser vencido, resultando a impossibilidade de julgamentos céleres, com a longa fila de espera por vários anos. A emenda constitucional não ataca a questão de fundo, pelo contrário, ao alargar a competência da Justiça do Trabalho determinará a existência de maior número de conflitos a serem solucionados. Portanto, no que se refere ao TST não haverá perspectivas de melhoria quanto ao tempo necessário ao julgamento dos recursos. Funcionarão junto ao TST a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho. Caso seja aprovada a Súmula Vinculante relativa ao Supremo Tribunal Federal, está previsto que “aplica-se ao Tribunal Superior do Trabalho, no que couber, o art.103-A”, ou seja, a possibilidade do TST fixar também súmulas vinculantes.

Os juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho passarão a Desembargadores Federais do Trabalho e os TRTs poderão instalar a justiça itinerante e funcionar descentralizadamente através de Câmaras regionais. A justiça itinerante se efetivará com a realização de audiências e demais funções de atividade jurisdicional nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários. As Câmaras regionais visam assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo, mas a emenda não especifica as condições dessa implementação.

A norma constitucional emendada estabelece que “compete à Justiça do Trabalho processar e julgar” (art.115), ao contrário da atual redação de “conciliar e julgar”, excluindo a característica histórica da precedência da conciliação em relação ao julgamento como mandamento constitucional. No que concerne à competência face as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 115, inciso I), limita-se ao plano do direito individual, eis que a matéria coletiva sofre restrição quase absoluta. E ainda complementa: ” na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho”(inciso X), reafirmando o atual texto constitucional.

A competência melhor se explicita quanto às ações por indenização por dano moral ou patrimonial decorrentes da relação de trabalho (inciso VI), na linha já vitoriosa no STJ e STF. Outra inovação é a competência face as ações de representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores (inciso III), hoje competência da Justiça Comum. Esta matéria envolve relativa complexidade diante de grande número de litígios onde trabalhadores e empregadores disputam o espaço sindical

No plano do direito coletivo a competência dirige-se, em especial, às ações que envolvam o direito de greve (inciso II). No caso de atividade essencial, o Ministério Público poderá ajuizar dissídio coletivo (parag. 3.º). A negociação coletiva, se frustrada, possibilitará, facultativamente, a eleição de árbitro (parag. 1.º), como no texto atual. Mas se houver recusa à arbitragem, o dissídio coletivo de natureza econômica somente poderá ser ajuizado “de comum acordo” entre as partes (parag. 2.º), possibilitando julgamento do conflito “respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”. Esta condição consensual para ajuizamento do dissídio coletivo na prática extingue as ações coletivas para o estabelecimento de normas salariais e de trabalho às categorias profissional e econômica.

Ainda há a previsão em relação a “mandados de segurança, habeas corpus e habeas data quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição”(inciso IV) e diante dos “conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista” (inciso V). Avança significativamente para “as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho” (inciso VII), questões de execução de multas em favor do tesouro nacional, atribuindo ao juiz do trabalho papel arrecadador, assim como ainda prevê “a execução, de ofício, das contribuições sociais” (inciso VIII) e a competência para julgar “a reclamação para preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões” (inciso IX.).

Mantidos os juizados especiais com juizes togados ou leigos para causas civeis de pequeno valor ou menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, a emenda constitucional não mais prevê a criação de juizados especiais na Justiça do Trabalho. Mas mantém a proposta de criação dos “órgãos de conciliação, mediação e arbitragem, sem caráter jurisdicional e sem ônus para os cofres públicos, com representação de trabalhadores e empregadores, que terão competência para conhecer de conflitos individuais de trabalho e tentar conciliá-los no prazo legal” (art.116). E, ainda, “a propositura de dissídio perante os órgãos previstos no caput interromperá a contagem do prazo prescricional do art. 7.º, XXIX” (art. 116,parag. único). A Lei 9958/00 já é a formulação concreta, embora parcial, dos referidos órgãos de conciliação. Diante do novo texto constitucional a lei poderá ser aperfeiçoada para possibilitar as funções de mediação e arbitragem face os conflitos individuais de trabalho, mas a emenda constitucional não delimita com clareza duas questões essenciais, a do caráter liberatório do acordo e da presença obrigatória do advogado, pontos hoje questionados em ações diretas de inconstitucionalidade no STF.

Portanto, o texto final da emenda não comporta novidades em relação à proposta anterior do então relator Bernardo Cabral. Ficam questões em suspenso, remetidas para a definição de lei complementar. Em conseqüência, embora avance na ampliação da competência, a emenda é tímida face a questões de direito coletivo e não define questões essenciais quanto aos organismos de conciliação extra-judicial. Não se pode, assim, concluir que haverá uma reforma da Justiça do Trabalho, mas apenas a ampliação de sua competência, a possibilidade da justiça itinerante e regional e a inserção constitucional da resolução privada dos conflitos individuais. Como no direito coletivo há um retrocesso e nada se altera na sistemática processual, pouco se acrescenta ao universo atual. Talvez não seja essa a missão constitucional, a de efetivar reformas, pois a solução dos graves problemas que atingem o Poder Judiciário está localizada na origem dos conflitos e não no remédio para combater a doença. No caso dos conflitos trabalhistas, estes devem ser equacionados onde nascem, ou seja, diretamente nas relações capital-trabalho. Portanto, as questões são mais de natureza política, econômica e social do que de estrutura constitucional.

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