A proteção ao trabalho das pessoas portadoras de deficiências

São consideradas portadoras de deficiências as pessoas que devido à perda ou à anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica sofrem de incapacidade total ou parcial para o desempenho de atividades, dentro do padrão considerado normal para o ser humano.

A incapacidade é conceituada como uma redução efetiva e acentuada de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptação, meios ou recursos especiais, para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade exercida.

Sob o ponto de vista médico e de acordo com critérios técnicos, as deficiências são assim classificadas: I – deficiência física; II – deficiência auditiva; III – deficiência visual; IV – deficiência mental e V – deficiência múltipla.

O deficiente somente alcançará a integração social se forem cumpridos os corolários do princípio da igualdade, que envolve o trabalho, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, o bem-estar e a justiça social. Nesse sentido, é dever do Estado e da sociedade civil promover medidas práticas que rompam com velhos hábitos que geram discriminação e exclusão social para o fim de permitir ao deficiente o seu legítimo direito de ser integrado no meio social. O deficiente não é um cidadão pela metade e merece ser tratado com justiça e dignidade, tendo seus direitos reconhecidos.

2. O objetivo deste artigo

As iniciativas públicas e privadas criadas para integrar o deficiente no seio social são todas dignas de elogios. Entretanto, salvo melhor juízo, pensamos que a maneira que melhor propicia essa integração ocorre através do trabalho. Ao deficiente deve ser conferida proteção jurídica para lhe garantir o sagrado direito de trabalhar. Portanto, o objetivo deste trabalho é o de examinar a questão jurídica da proteção dos deficientes em relação ao seu direito de trabalhar.

3. O deficiente e o direito ao trabalho

A importância do trabalho, inclusive na condição peculiar do deficiente, não pode ser entendida como simples satisfação de uma necessidade de sobrevivência ou da possibilidade de acesso a bens. O trabalho é a mais pura fonte de realização da pessoa humana. O trabalho é fundamental para a conquista da cidadania e alcance da dignidade humana.

Assim é que destacamos a evolução das normas de proteção ao trabalho do deficiente, bem como a importância de se criar políticas positivas visando assegurar ao mesmo o pleno exercício de seus direitos individuais e sociais para acessibilidade ao mercado trabalho.

4. O deficiente e a legislação de proteção ao trabalho

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu como um dos pilares de sustentação da ordem econômica nacional, a valorização do trabalho com a finalidade de propiciar existência digna e distribuição de justiça social por meio da redução das desigualdades sociais (artigo 170 e inciso II e III e IV do artigo 1.º).

A tutela de proteção constitucional específica às pessoas portadoras de deficiências físicas vem indicada no inciso XXXI do artigo 7.º da Carta Magna, proibindo qualquer tipo de diferenciação de salário e de critério de admissão do deficiente. O dispositivo constitucional garante ao portador de deficiência o direito de trabalhar, desde que sua limitação física não seja incompatível com as atividades profissionais.

Por força do inciso VII do artigo 37 da Constituição Federal foi instituída a política de ampliação de oportunidades aos portadores de deficiências físicas, oferecendo meios institucionais diferenciados para acesso dos deficientes no mercado de trabalho e, por conseguinte, viabilizar o gozo e o exercício dos seus direitos fundamentais, notadamente o direito de trabalhar.

O inciso VI do artigo 37 da Carta Magna disciplina: ?A lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência física e definirá os critérios de sua admissão?. Desta forma, em relação ao acesso ao mercado público de trabalho a Constituição Federal adota política positiva de acessibilidade, reservando percentual de cargos e empregos públicos aos portadores de deficiências físicas.

O artigo 93 da Lei n.º 8.213/91 (Regulamento de Custeio da Previdência Social) estatui: ?A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiências habilitadas, na seguinte proporção: I até 200 empregados 2%; II de 201 a 500 3%; III de 501 a 1.000 4%; e IV de 1.001 em diante 5%.?  Assim, também em relação ao acesso ao mercado privado de trabalho o legislador adota política de acessibilidade, reservando percentual de cargos e empregos em empresas privadas aos portadores de deficiências físicas.

A Lei n.º 7.853 de 24 de outubro de 1989, regulada pelo Decreto n.º 3.298 de 20/12/1999, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolidando normas de proteção que objetivam assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e sociais dos deficientes.

O decreto sublinha o apoio aos deficientes, sua integração social, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dos deficientes através da atuação do Ministério Público, considerando os valores básicos da igualdade de tratamento, oportunidade, justiça social da dignidade humana e do bem-estar social e assegura o pleno exercício dos direitos individuais e sociais pelos deficientes.

A Seção V do Decreto n.º 3.298/99 destaca o primado da política de emprego, a inserção da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho ou sua incorporação ao sistema produtivo mediante regime especial de trabalho protegido que pode ser resumida através das considerações a seguir lançadas.

São modalidades de inserção laboral do deficiente: I – colocação competitiva: processo de contratação regular, nos termos da legislação trabalhista e previdenciária, que independe da adoção de procedimentos especiais para sua concretização, não sendo excluída a possibilidade de utilização de apoios especiais; II – colocação seletiva: processo de contratação regular, nos termos da legislação trabalhista e previdenciária, que depende da adoção de procedimentos e apoios especiais para sua concretização; III – promoção do trabalho por conta própria: processo de fomento da ação de uma ou mais pessoas, mediante trabalho autônomo, cooperativado ou em regime de economia familiar, com vista à emancipação econômica e pessoal. – (artigo 35).

A empresa que tem número de empregados igual ou superior a 100 (cem) está obrigada a preencher de dois a cinco por cento de seus cargos com beneficiários da Previdência Social reabilitados ou com pessoa portadora de deficiência habilitada, na seguinte proporção: I – até duzentos empregados, dois por cento; II – de duzentos e um a quinhentos empregados, três por cento; III – de quinhentos e um a mil empregados, quatro por cento; IV -mais de mil empregados, cinco por cento. – (artigo 36).

A dispensa de empregado na condição estabelecida no artigo 36 do Decreto, quando se tratar de contrato por prazo determinado, superior a noventa dias, e a dispensa imotivada, no contrato por prazo indeterminado, somente poderá ocorrer após a contratação de substituto em condições semelhantes. – (§ I do artigo 36).

Fica assegurado à pessoa portadora de deficiência o direito de se inscrever em concurso público, em igualdade de condições com os demais candidatos, para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que é portador, sendo reservado no mínimo o percentual de cinco por cento em face da classificação obtida. – (artigo 37 e § 1.º).

Não se aplica o disposto no artigo 37 nos casos de provimento de: I – cargo em comissão ou função de confiança, de livre nomeação e exoneração; II – cargo ou emprego público integrante de carreira que exija aptidão plena do candidato. (artigo 38).

Os editais de concursos públicos deverão conter: I – o número de vagas existentes, bem como o total correspondente à reserva destinada à pessoa portadora de deficiência; II – as atribuições e tarefas essenciais dos cargos; III – previsão de adaptação das provas, do curso de formação e do estágio probatório, conforme a deficiência do candidato; IV – exigência de apresentação, pelo candidato portador de deficiência, no ato da inscrição, de laudo médico atestando a espécie e o grau ou nível da deficiência, com expressa referência ao código correspondente da Classificação Internacional de Doença – CID, bem como a provável causa da deficiência. – (artigo 39).

É vedado à autoridade competente obstar a inscrição de pessoa portadora de deficiência em concurso público para ingresso em carreira da Administração Pública Federal direta e indireta. – (artigo 40).

No ato da inscrição, o candidato portador de deficiência que necessite de tratamento diferenciado nos dias do concurso deverá requerê-lo, no prazo determinado em edital, indicando as condições diferenciadas de que necessita para a realização das provas. O candidato portador de deficiência que necessitar de tempo adicional para realização das provas deverá requerê-lo, com justificativa acompanhada de parecer emitido por especialista da área de sua deficiência, no prazo estabelecido no edital do concurso. – (§ 1.º e 2.º do artigo 40).

A pessoa portadora de deficiência, resguardadas as condições especiais previstas no decreto, participará de concurso em igualdade de condições com os demais candidatos no que concerne: I – ao conteúdo das provas; II – à avaliação e aos critérios de aprovação; III – ao horário e ao local de aplicação das provas; IV – e à nota mínima exigida para todos os demais candidatos.- (artigo 41).

Da análise dos dispositivos legais supracitados julgamos oportunas as seguintes considerações:

A – não basta simplesmente que uma pessoa seja deficiente para ser compulsoriamente contratada pela empresa pública ou privada. Além da deficiência, a pessoa tem que reunir habilitação ou capacidade para o exercício de determinada função exigida pela empresa.

B – é considerado deficiente habilitado aquele que tenha concluído curso de educação profissional de nível básico ou tecnológico, ou curso superior, com certificado ou diplomação expedida por instituição pública ou privada, legalmente credenciada pelo Ministério da Educação e Cultura ou órgão equivalente, ou aquele com certificado de conclusão de processo de habilitação ou reabilitação profissional fornecido pelo Instituto Nacional do Seguro Nacional.

C – também é considerado deficiente habilitado aquele que, embora não tendo se submetido a processo de habilitação ou reabilitação, esteja capacitado para o exercício da função.

D – fica garantido ao deficiente o direito de se inscrever em concurso público, em igualdade de condições com os demais candidatos, para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que é portador, salvo na hipótese de provimento de cargo em comissão ou função de confiança e cargo ou emprego público integrante de carreira que exija aptidão plena do candidato.

E – além de estabelecer o percentual mínimo de vagas para serem preenchidas por deficientes, a lei criou uma espécie de estabilidade ao empregado portador de deficiência, uma vez que o mesmo somente pode ser dispensado imotivadamente na hipótese do empregador contratar substituto em iguais condições.

F – embora não haja pronunciamento definitivo do Poder Judiciário a respeito desta questão, perfilamos a idéia de que o preenchimento do percentual de vagas destinadas aos portadores de deficiências deva ser obrigatório, ou seja, as empresas que contam com mais de cem empregados devem procurar os destinatários tutelados pela norma e, na hipótese de serem selecionados nos testes respectivos, admiti-los em seus quadros funcionais. Se a intenção da lei é a de promover a inserção do deficiente no trabalho, pensamos que qualquer interpretação restritiva sobre as cotas não conduziria a efetividade da proteção legal em sua plenitude.

G – tendo em vista o disposto no artigo 118 da Lei 8.213/91 (Regulamento de Benefícios da Previdência Social), que garante ao empregado que sofre acidente de trabalho estabilidade no emprego, no mínimo, por doze meses após a alta previdenciária e considerando o teor do artigo 36 do Decreto 3.298/99, partilhamos da opinião de que o cálculo da parcela de empregados reabilitados ou portadores de deficiência habilitados não pode computar os empregados que estejam gozando de garantia no emprego por acidente de trabalho.

H – ao Ministério Público do Trabalho compete o dever de fiscalizar as empresas com vistas a verificar se as mesmas estão cumprindo com o regime de cotas e se estão adotando os procedimentos e apoios especiais de que necessitam os deficientes, as adaptações do ambiente de trabalho e o acesso pleno aos postos de trabalho.

5. Conclusão

Em um cenário social marcado pela deficiência do ensino nas escolas públicas, pela falta de formação profissional, pelo desemprego, e principalmente pela desigualdade social, o que se constata é a extrema dificuldade das pessoas portadoras de deficiências de ver respeitados os seus direitos individuais e sociais mínimos.

O estudo do assunto nos remete à conclusão de que o grande problema enfrentado pelos deficientes não é a falta de leis. Os dispositivos que regulam a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência são notáveis instrumentos de proteção legislativa. O grande problema é o da eficácia das leis existentes, pois a positividade de uma norma infelizmente nem sempre está relacionada com sua eficácia.

É preciso romper com esse triste paradigma de preconceito e discriminação que infelizmente ainda assola nossa cultura e irradia exclusão social, para o fim de ser implantadas políticas firmes e decididas, fazendo valer as normas que garantem o acesso ao trabalho das pessoas portadoras de deficiência para que sejam concebidas como cidadãos plenos no que diz respeito à dignidade de respeito dos seus direitos.

Nilson de Oliveira Nascimento é a dvogado trabalhista e professor universitário. Leciona na Faculdade de Direito Mackenzie e CPC Marcato. É mestre e doutorando em Direito do Trabalho pela PUC/SP.

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