A primeira conta

Pobre, que nunca teve acesso a banco, poderá agora abrir sua própria conta bancária. Mesmo sem ter dinheiro. O governo empresta. Melhor, os bancos emprestam por ordem e vontade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-metalúrgico que sonha, como todos, com um Brasil melhor. No País da usura, com taxas de 234% no cartão de crédito, o juro para empréstimo aos pobres não pode passar de 2%. Ao mês. Nos Estados Unidos custa apenas 1%. Ao ano. Mesmo assim, com quase quatro bilhões de reais à solta, sonham governo, indústria e comércio com uma avalanche de novos consumidores. Em tese, todos bons pagantes.

As vantagens do empréstimo – ou do microcrédito, como querem os técnicos – são muitas. A principal, é como o motor de arranque da carruagem. A reativação da economia começa, assim, pela ala dos descamisados. Com conta bancária sem muitas exigências, essa gente adere à “cidadania financeira” referida pelo presidente Lula. E, de quebra, vai pagar CPMF – o imposto do cheque que até aqui não conhecia – para resolver as contas do Tesouro, entre elas as aposentadorias milionárias que a Previdência em reforma não consegue desfazer.

Com o aplauso da Federação Brasileira das Associações de Bancos – Febraban, o Brasil sai da UTI e coloca na pauta do dia o tema crescimento econômico. Assim quer o Planalto, virando o discurso da estagnação. Definitivamente, segundo a receita assinada pelo doutor Palocci, o ministro da Fazenda e dos remédios ortodoxos. “São iniciativas de cunho social – comentou a entidade que fala em nome dos bancos – que abrirão alternativas para a população de baixa renda.” Muitas. Inclusive a alternativa da inadimplência, embora o governo se esforce para mostrar que, nessa faixa, a população é honrada e cumpridora de suas obrigações. Mal conseguem pagar as contas os que têm emprego; quem não tem, nem sonha.

Na área dos economistas de plantão, a medida anunciada não empolgou muita gente. Trata-se, como se disse, de política social, não de política de estímulo à demanda. Faria muito mais, e por todos, uma redução maior nas taxas dos juros básicos. O montante dos recursos à disposição do pacote de microcrédito corresponde a apenas 1,04% de todo o estoque de crédito da economia brasileira – uma coisa pífia. Objetivamente, a iniciativa sai perdendo mesmo no confronto da injeção de nove bilhões de reais, liberados pelo “acordão” do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, no ano passado. Ademais, só os aumentos nas taxas de telefone, luz e outros serviços já servem para neutralizar o esforço palaciano em nos mostrar o paraíso. Nem se fale de aumento de impostos…

Não tinha o Planalto terminado o discurso do microcrédito, e a indústria já pressionava em passeata contra os aumentos dos impostos que, da mesma forma que as taxas dos juros, emperram a economia e frustram o crescimento e a conseqüente criação de empregos. Para os empresários unidos, já não bastam as promessas. Há que haver garantias no bojo da reforma tributária, até aqui arquitetada exclusivamente pelos que comandam a máquina do Estado, isto é, os que arrecadam. É preciso olhar pelos que pagam. Um gatilho, por exemplo, que freie a gula dos governos (municipais, estaduais e federal), sempre que os limites da derrama superarem o nível suportável. Uma idéia, aparentemente, melhor que a de dotar desempregados de conta bancária. Afinal, se o marasmo econômico continuar, a primeira conta pode ser também a última.

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