A Lei da Super-Receita, veto da Emenda 3 e o PL 536/07

O Presidente da República sancionou a Lei 11.457, de 16 de março de 2007 (DOU 19.03.07), com base no projeto-de-lei n.º 6.272-E, de 2005, dispondo sobre a Administração Tributária Federal, criando a Secretaria da Receita Federal do Brasil, órgão da administração direta subordinado ao Ministro da Fazenda. Além das competências definidas pela atual legislação, ao novo organismo caberá ?planejar, executar, acompanhar e avaliar as atividades relativas à tributação, fiscalização, arrecadação, cobrança e recolhimento das contribuições sociais… e das contribuições instituídas a título de substituição?. Trata-se de evidente avanço a unificação da ação fiscal da Receita Federal e do INSS, desburocratizando a relação entre os órgãos da fiscalização e os contribuintes. Também cria a carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil, sendo uma das atribuições ?examinar a contabilidade de sociedades empresariais, empresários, órgãos, entidades, fundos e demais contribuintes, não se lhes aplicando as restrições previstas nos arts. 1.190 a 1.192 do Código Civil e observado o disposto no art.1.193 do mesmo diploma legal?.

Emenda vetada

Mas emenda n.º 3, aprovada por 304 votos a favor e 146 contra, relativa às atribuições do auditor-fiscal da receita federal do Brasil, limitando o poder de fiscalização, vem sendo ora analisada como parte da precarização do trabalho e derivada da pressão de organizações empresariais, ora como necessária às atuais necessidades do processo de inserção das pessoas no mundo globalizado. A emenda consubstanciada no parágrafo 4.º do art.6.º da referida Lei, tem a seguinte redação: ?No exercício das atribuições da autoridade fiscal de que trata esta Lei, a desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento da relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, deverá sempre ser precedida de decisão judicial?. O veto aconselhado ao Presidente da República pelos Ministros da Fazenda, da Previdência Social e do Trabalho tem a seguinte justificativa: ?As legislações tributária e previdenciária, para incidirem sobre o fato gerador cominado em lei, independem da existência de relação de trabalho entre o tomador do serviço e o prestador do serviço. Condicionar a ocorrência do fato gerador à existência de decisão judicial não atende ao princípio constitucional da separação dos Poderes?. O veto foi comunicado ao Presidente do Senado Federal e será apreciado em sessão conjunta dos deputados e senadores dentro de 30 dias, somente podendo ser rejeitado pela maioria absoluta dos parlamentares, primeiramente na Câmara que, por 257 votos, derrubará o veto, passando-se, em seguida, à votação do Senado. Entretanto, o Parlamento acumula 601 vetos do Presidente da República não lidos e não colocados em votação.

PL 536/07

O Presidente da República encaminhou à Câmara dos Deputados, em caráter de urgência, o PL 536/07 como alternativa à emenda três vetada. Eis a íntegra do projeto de lei que será debatido e votado pelos parlamentares: ?Estabelece procedimentos para desconsideração de atos ou negócios jurídicos, para fins tributários, conforme previsto no parágrafo único do art. 116 da Lei n.º 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional (CTN), introduzido pela Lei Complementar n.º 104, de 10 de janeiro de 2001, e dá outras providências. O Congresso Nacional decreta: Art. 1.º Os atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência de fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária serão desconsiderados, para fins tributários, pela autoridade administrativa competente, observados os procedimentos estabelecidos nesta Lei. § 1.º São passíveis de desconsideração os atos ou negócios jurídicos que visem ocultar os reais elementos do fato gerador, de forma a reduzir o valor de tributo, evitar ou postergar o seu pagamento. § 2.º O disposto neste artigo não se aplica nas hipóteses de que trata o inciso VII do art. 149 da Lei n.º 5.172, de 25 de outubro de 1966 Código Tributário Nacional (CTN). Art 2.º Na hipótese de atos ou negócios jurídicos passíveis de desconsideração, nos termos do § 1.º do art. 1.º, o Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil expedirá notificação fiscal ao sujeito passivo, na qual relatará os fatos e fundamentos que justifiquem a desconsideração. § 1.º O sujeito passivo poderá apresentar, no prazo de trinta dias, os esclarecimentos e provas que julgar necessários. § 2.º Considerados improcedentes os esclarecimentos apresentados, o Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil formalizará representação à autoridade administrativa que instaurou o procedimento de fiscalização. § 3.º A representação de que trata este artigo deverá: I conter relatório circunstanciado dos atos ou negócios praticados e a descrição dos atos ou negócios equivalentes aos praticados, bem assim os fundamentos que justifiquem a desconsideração. II discriminar os elementos ou fatos caracterizadores de que os atos ou negócios jurídicos foram praticados com a finalidade de ocultar os reais elementos constitutivos do fato gerador; III – ser instruída com os elementos de prova colhidos no curso do procedimento de fiscalização e os esclarecimentos e provas apresentados pelo sujeito passivo; e IV conter o resultado tributário produzido pela adoção dos atos ou negócios praticados em relação aos equivalentes, referidos no inciso I, com especificação da base de cálculo, da alíquota incidente e do montante do tributo apurado. Art. 3.º A autoridade administrativa decidirá sobre a representação de que trata o § 3.º do art. 2.º no prazo máximo de cento e vinte dias a contar de sua formalização. Parágrafo único. Na hipótese de desconsideração, o sujeito passivo terá o prazo de trinta dias, contado da data em que for intimado da decisão, para efetuar o pagamento dos tributos e encargos moratórios. Art. 4.º A falta de pagamento dos tributos e encargos moratórios, no prazo a que se refere o parágrafo único do art. 3.º, ensejará o lançamento do respectivo crédito tributário, mediante lavratura de auto de infração, com aplicação de multa de ofício. § 1.º O sujeito passivo será intimado do lançamento para, no prazo de trinta dias, efetuar o pagamento ou apresentar impugnação contra a exigência do crédito tributário. § 2.º A contestação da decisão de desconsideração dos atos ou negócios jurídicos, quando houver, integrará a impugnação do lançamento do crédito tributário. Art. 5.º Aplicam-se as normas do Decreto n.º 70.235, de 6 de março de 1972, ao lançamento efetuado nos termos do art. 4.º Art. 6.º A Secretaria da Receita Federal do Brasil poderá expedir atos normativos necessários à execução do disposto nesta Lei. Art. 7.º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação?.

PL 133/07

O PL 536/07 está apensado ao PL 133/07, do deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), que dispõe sobre o ?procedimento de desconsideração de pessoa, ato ou negócio jurídico pelas autoridades fiscais competentes, e dá outras providências?. O projeto de lei é o seguinte: ?O Congresso Nacional decreta: Art. 1.º – A autoridade fiscal poderá desconsiderar pessoa, ato ou negócio jurídico, para fins de reconhecimento de relação de emprego e conseqüente imposição de tributos, sanções e encargos, após decisão judicial autorizadora. Parágrafo único. Para fins do ?caput?, a legitimidade para ingressar em Juízo será, concorrentemente, do prestador do serviço, do sindicato representativo da categoria, do representante judicial da União e do Ministério Público do Trabalho. Art. 2.º – A autorização judicial será dispensável em caso de fraude ou de hipossuficiência do prestador do serviço, assim reconhecidas pela autoridade fiscal, em ato motivado. Parágrafo único. Para caracterização da hipossuficiência do prestador do serviço serão considerados os seguintes dados: I o local e as condições da prestação do serviço; II o valor do serviço, individualmente aferido; III a situação econômica do prestador e do tomador do serviço. Art. 3.º – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação?.

Alternativas

As Centrais Sindicais e outras entidades representativas dos trabalhadores, de um lado, e as representações empresariais, de outro, se mobilizam para conseguir articulação visando a defesa dos pontos de vista diferenciados sobre a questão em litígio. As alternativas que se colocam são as seguintes (1) a possibilidade de se conseguir texto de comum acordo sobre projeto de lei e, em conseqüência, não derrubar o veto do Presidente da República (2) impossibilidade de acordo entre as partes e a colocação em votação da derrubada do veto (3) estabelecer maior prazo de negociação que possibilite encontrar-se novas equações sobre o problema. O presidente do Senado, Renan Calheiros, posicionado anteriormente pelo não-veto à emenda 03, considera que a remessa do projeto de lei recria condições para retomar o diálogo. O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, alertou da necessidade dos representantes sindicais buscarem desde já o esclarecimento dos parlamentares, antes de que o veto seja colocado em pauta de votação.

Conversa fiada

O advogado e professor João José Sady comentando o teor da emenda 3, afirma: ?É a ?reforma trabalhista? sendo feita pela porta dos fundos. Ao invés de se mudar a lei, encontra-se uma forma segura de praticar a burla. Daí porque se fala tanto nos dias de hoje em ?segurança jurídica?, buscando-se validade para os contratos firmados com o intuito de fraude. O coroamento desta busca por ?segurança? é o momentoso episódio recente em que o Congresso Nacional aprovou uma norma legal garantindo a blindagem para aqueles que aderiram a esta Reforma Trabalhista: a famigerada Emenda 3 à lei da Super-Receita, estipulando que somente o Judiciário pode incomodar a empresa que usa destas práticas. A norma vai para a mesa presidencial e o país inteiro fica em polvorosa como numa novela televisiva. O Presidente diante da encruzilhada se deveria ou não assinar a norma que proíbe os agentes fiscais de autuar as empresas surpreendidas praticando este tipo de delito parece aquele incauto diante da Esfinge que o advertia: ?decifra-me ou te devoro?. O pitoresco é que o Código Penal define como crime o uso de fraude para burlar direitos trabalhistas e a legislação previdenciária, da mesma forma, descreve como crime a prática de não registrar o empregado. No entanto, a polícia jamais entrou pelas portas de uma empresa para prender o criminoso que comete esta modalidade de delito. Quem entrava, de vez em quando, a pedido de algum sindicato mais assanhado, era a fiscalização. Daí porque este empenho em proibir a administração pública de cumprir com seu dever legal. Entre os mais esdrúxulos argumentos que vem sendo veiculados sobre o assunto, o mais cínico é aquele de que somente o Judiciário pode decretar a desconstituição da pessoa jurídica. O caso é de desconsideração da pessoa jurídica, o que é fenômeno inteiramente diferente. Ao demais, até esta expressão importada da doutrina anglo-saxônica em anos mais recentes, constitui somente um enfeite elegante (disregard) para aquilo que artigo 9.º da vetusta e ?anacrônica? CLT já definia há mais de meio século: são nulos de pleno direito os atos praticados para frustrar mediante fraude os direitos dos trabalhadores. No momento em que escrevemos, a tempestade do dinheiro distribui trovões por todos os lados: anúncios na televisão, páginas inteiras de matérias pagas nos principais órgãos de imprensa. Tudo em favor da blindagem para a burla. No dia seguinte ao da decisão, com certeza, os vencidos vão amanhecer batendo às portas do STF alegando a inconstitucionalidade, seja da sanção, seja do veto. A tragédia por detrás das cortinas do poder da publicidade, é que o povo brasileiro esteja sendo submetido a este festival do engodo, bombardeado com tanta conversa fiada vestida de luxuosos paramentos de juridicidade (vide?Emenda 3 é conversa fiada vestida de paramentos de jurídicos?, Consultor Jurídico).

Edésio Passos é advogado e ex-deputado federal (PT.PR). E-mail: edesiopassos@terra.com.br

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