A invasão do Iraque – uma sucessão de erros

A vergonha de confessar o primeiro erro leva a cometer muitos outros.

Jean de la Fontaine

A constante adoção de medidas equivocadas em relação à questão iraquiana, por parte do governo norte-americano, está levando o desespero ao mundo inteiro. O ataque ao prédio da ONU em Bagdá, com a perda de várias vidas, dentre as quais a do brasileiro Sergio Vieira de Mello, é um exemplo disso.

A iniciar pela falsa justificativa para o início da guerra, quando se insistiu no argumento da existência e produção de armas de destruição em massa pelo governo de Saddam Hussein, as quais não foram em momento algum encontradas. Também não foram provadas as alegadas relações do ditador com a Al Qaeda e o terrorista Osama Bin Laden.

A condução dos ataques ao Iraque também demonstrou uma série de equívocos pois não houve preocupação com a observância das regras do direito humanitário, que proíbem ataques à população e prédios civis, determinam o respeito aos prisioneiros e feridos e exigem a preservação da história e cultura do país inimigo.

No período imediatamente pós-guerra, os iraquianos esperavam uma rápida retirada das tropas da coalizão que, a cada dia, demonstraram-se inaptas e ineficazes para restauração da normalidade. O caos tomou conta do Iraque e o transformou na terra sem autoridade, sem lei, sem ordem.

Diante de tantas agressões sofridas, a reação dos iraquianos tornou-se inevitável. A população se revoltou, grupos de ex-aliados de Saddam foram formados, milícias e tendências religiosas que já existiam se reorganizaram. Guerrilheiros e terroristas de outras partes do mundo se sentiram atraídos para a região. Formou-se uma ampla frente de resistência.

Inicialmente os alvos foram os soldados norte-americanos, que sofreram mais perdas no período pós-guerra do que durante os conflitos. Passou-se então a atacar alvos locais como oleoduto e central de distribuição de água, em relações aos quais os EUA tinham grande interesse econômico e comercial. Em seguida, o foco passou a ser localidades diplomáticas como a Cruz Vermelha, que pouco pôde fazer pelos milhares de iraquianos feridos durante a invasão; a sede da embaixada da Jordânia, país da região que não tomou posição em defesa do Iraque; e agora o hotel Al-Qanal em Bagdá, onde funcionava a sede da ONU.

A ONU, apesar de ter resistido e não ter aprovado a resolução do Conselho de Segurança que daria respaldo legal à invasão, não foi capaz de evitá-la, contribuindo ainda mais para seu descrédito perante a população iraquiana que, mesmo antes da invasão, já a entendia como a responsável pelo desarmamento do Iraque e pela pobreza ali instaurada – em decorrência do embargo econômico por ela imposto.

O mundo inteiro hoje é concebido pela população iraquiana como um grande inimigo. O que realmente foi feito para evitar a guerra? Quais as iniciativas pacíficas que foram efetivamente tomadas pela comunidade internacional para retirar Saddam Hussein e se iniciar um governo democrático no Iraque? De que adiantou, para a população iraquiana que sofreu os ataques, tanta manifestação e comoção pela paz em diversos países do mundo, no início de 2003?

A opção pela guerra foi o erro inicial. O primeiro de muitos que sucederam. O presidente Bush não levou em consideração o ensinamento de um dos seus antecessores na Casa Branca, J. F. Kennedy, que alertava: “aqueles que tornam impossível uma revolução pacífica tornam inevitável uma revolução violenta”. O Iraque realmente precisava de uma grande revolução, capaz de torná-lo um Estado Democrático de Direito, com governo pluralista, pautado pelos direitos fundamentais da pessoa humana. Mas tal revolução deveria ter sido pacífica, para agora não termos que conviver com essa reação violenta, sanguinária, que até o Brasil já atingiu.

Tatyana Scheila Friedrich

é mestre/UFPR e professora de Direito Internacional Público e Privado e Direito da Integração Regional (UFPR, FIC e UTP).

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