A feliz indicação de Carlos Ayres Britto ao STF

Depois de muita expectativa e, também, bastante especulação, finalmente Lula fez a indicação dos juristas que integrarão o Supremo Tribunal Federal. Observo que, rapidamente, a imprensa já rotulou os futuros ministros, asseverando que teriam sido escolhidos segundo os requisitos de raça (Joaquim Benedito Barbosa Gomes), “força jurídica de São Paulo” (Antonio Cezar Peluso) e “compensação regional” (Carlos Ayres Britto).

Desconheço se o próprio governo está assumindo estes critérios, mas acredito que, realmente, a nomeação de Barbosa Gomes seja um símbolo da luta pela igualdade racial, e, por que não, social, e este fato deve ter contribuído significativamente para a sua escolha. Todavia, é no mínimo estranhável falar-se em “força jurídica de São Paulo”. Melhor colocadas as palavras, dever-se-ia dizer força política de São Paulo, pois não é possível entender porquê São Paulo teria maior capacidade ou potencial jurídico que os demais Estados da Federação. Ademais, o STF não é composto por representações estaduais, como pareceu acreditar grande parcela da comunidade jurídica nacional, nestes meses que antecederam às vacâncias dos cargos. E se não é composto por representação estadual, muito menos regional, pelo que, não me parece adequado creditar a indicação do professor sergipano a alguma espécie de compensação entre regiões.

O doutor Carlos Ayres Britto foi o primeiro a ser indicado em razão da sua capacidade intelectual privilegiada, do seu compromisso histórico com as questões sociais, da sua elevada sensibilidade como pessoa e do seu caráter irretocável, ou seja, em razão do seu próprio nome. Creio que teria sido escolhido se fosse paranaense ou acreano. O fato de ser nordestino, no máximo, ofertou maior comodidade ao presidente. Como se diria na linguagem vulgar: “uniu o útil ao agradável”.

O ostensivo incentivo dado do professor Ayres Britto por grandes nomes da comunidade jurídica nacional, inclusive de São Paulo, decorre de um currículo em perfeita consonância com os atributos necessários a um ministro da mais alta corte de nosso país. Além de já ter ocupado vários cargos públicos de destaque, como Consultor Geral do Estado e Procurador Geral de Justiça, sua carreira docente como professor de Direito Constitucional, Direito Administrativo e Teoria do Estado na Universidade Federal do Sergipe vem corroborar a satisfação do critério de notório saber jurídico. Saber este também passível de verificação nos seus diversos textos escritos, que trataram de assuntos de grande relevância nacional, tais como: a interpretação e aplicabilidade das normas constitucionais, a privatização, a partilha constitucional de competências, o controle social do poder e a participação popular na Administração, somente a título de exemplo.

Tive a satisfação de presidir a exposição do doutor Carlos Ayres Britto no último Congresso da Associação de Direito Público do Mercosul. Todavia, na oportunidade, não destaquei como sua maior virtude a competência acadêmico-profissional, de jurista e advogado, mas sim uma outra faceta de sua personalidade. O futuro ministro também dedica-se à literatura, já tendo publicado vários textos poéticos, o que o torna um cultor da nossa língua. Como coloquei na oportunidade, é um especialista na palavra, mas um daqueles que não se dedica à retórica ou à verborragia publicitária, como é a regra da atualidade. Aqueles que tiveram a oportunidade de escutá-lo em suas conferências, sem dúvida registraram uma fonte de desmitificação da realidade, na busca de respostas mais claras e consistentes sobre os problemas enfrentados pelo Direito e pelo Estado.

Por todos estes motivos, não poderia ter sido mais feliz a indicação. Certamente que todos nós, paranaenses, nos orgulharíamos de ter um ministro de nossa terra. Não pelo simples fato de ter aqui nascido, mas sim porque entre nós há grandes nomes que igualmente engrandeceriam o Supremo Tribunal Federal. Entretanto, acho que podemos ter orgulho idêntico com a indicação deste grande nome sergipano (e falo apenas dele pelo simples fato de não conhecer satisfatoriamente a qualificação dos outros dois indicados, cujos méritos pessoais devem também fazê-los merecedores da deferência atribuída). Devemos ter orgulho também porque o presidente não fez uma escolha em razão da amizade pessoal, ou mesmo por algum outro critério que nos causasse certo desconforto. Se por alguns aspectos a gestão de Lula pode ser criticada, e todos os governos o serão, as indicações ora destacadas são dignas dos mais altos elogios. Um passo correto, cujos efeitos benéficos serão sentidos aos poucos, mas que no futuro não deixarão de ser reconhecidos.

Mais do que nunca, é possível sentir que uma nova era está para despontar no Direito brasileiro.

Emerson Gabardo

é mestre em Direito do Estado pela UFPR e professor de Direito Administrativo da UniBrasil. (
e.gab@uol.com.br)

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