A estreita via do habeas corpus

"A matéria suscitada refoge à estreita via do writ", "tal exame transborda os limites angustos do Habeas Corpus", "a análise escapa do âmbito de alcance cognitivo do remédio heróico".

Eis algumas fórmulas que servem como evasivos subterfúgios de parcela da Jurisprudência para sonegar prestação jurisdicional, em sede de habeas corpus. Ao se deparar com tais clichês com que soem abster-se do conhecimento do remédio heróico, o operador jurídico é conduzido a uma indagação inevitável e natural: quais os critérios objetivos que balizam as fronteiras de cognição do habeas corpus? Afinal, se o pleito heróico não é conhecido, sob o argumento de que desborda do seu raio de abrangência, então, é necessário gizar parâmetros seguros, sob pena de insegurança jurídica, para se circunscrever o limite preciso da margem de alcance do habeas corpus, a fim de determinar uma divisória entre duas categorias de pedidos: aqueles que cabem e aqueles que não cabem no bojo do habeas corpus.

De um lado, argumenta-se que o habeas corpus não se presta ao exame aprofundado do arcabouço probatório amealhado aos autos. Realmente. Porém, não se vislumbra um critério fixo, para se aferir, objetivamente, com parâmetros precisos, o grau de profundidade cognitiva do writ, malgrado seja cediço que a via do remédio heróico seja estreita.

De outro lado, cumpre destacar o artigo 5.º, XXXV: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Por conseguinte, o Judiciário não pode fechar os olhos para um constrangimento ilegal, que acossa um paciente, sob a matriz do clichê de que "a matéria escapa da via angusta do writ", sem que tal argumento esteja acompanhado de uma demonstração concreta, abafando o reclamo sob o manto do silêncio.

Ademais, convém esclarecer que o instituto do habeas corpus, historicamente, tem sofrido um alargamento na abertura do seu espectro de abrangência. Com efeito, desde Rui Barbosa tem se assistido uma ampliação no raio de alcance do writ.

Em última análise, o juízo de conhecimento do habeas corpus deve ser pautado por um critério democrático. Primeiro, parte-se da premissa de que a matéria deve ser conhecida, até mesmo porque o writ não exige maiores formalidades. Depois, se porventura a matéria realmente escapar à estreita via do remédio heróico, então, será necessário demonstrar concretamente, na realidade empírica, os motivos pelos quais o habeas corpus não alcança o argumento suscitado.

Com efeito, a mera fórmula vazia de que "a matéria refoge à estreita via do habeas corpus", decantada ao léu, desacompanhada de uma demonstração objetiva, sem respaldo na realidade empírica, não pode ser usada como cortina de fumaça para se encobrir um constrangimento ilegal, sob o amparo de uma tergiversação abstrata, genérica, aplicável a qualquer caso, pena de insegurança jurídica e afronta ao artigo 5.º, XXXV da Constituição Federal.

Se, ainda, não foram construídos critérios precisos para se balizar o raio de alcance do habeas corpus, então, cabe aos operadores do direito erigir parâmetros seguros para tal. Porém, enquanto isso, o paciente não pode (nem deve) padecer de constrangimento ilegal, à mercê de bel alvitre da máquina estatal em decantar fórmulas prontas para se subtrair à prestação jurisdicional.

Adriano Sérgio Nunes Bretas é advogado criminal em Curitiba, membro do Grupo Brasileiro da Associação Internacional de Direito Penal (AIDP) e pós-graduando em Direito Penal e Criminologia pela UFPR.

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