A doação de bens em vida e o direito dos herdeiros

No cotidiano das pessoas, não é incomum depararmo-nos com situações onde, no seio familiar, há uma distinção entre pais com relação aos seus filhos, no que diz respeito à divisão de bens, motivados pelas mais diversas razões: afinidade, respeito, assistência pessoal, gratidão, receio, etc.

Bem por isso, a lei veda a possibilidade dos pais venderem algum bem para um dos filhos, sem que os demais tenham anuído em tal transação, sob pena de anulação no negócio jurídico celebrado. O intuito da lei é evidente, procura evitar que, sob a fachada de uma compra e venda, seja simulada uma doação em favor do filho predileto, em detrimento dos demais.

Entretanto, caso os pais pretendam doar um bem para algum dos filhos, a lei já não exige para sua validade, a anuência dos demais herdeiros, e isto por um motivo simples, pois a doação, diferente da compra e venda, é considerada uma antecipação da herança que fará jus o filho, por ocasião da sucessão. Com isso, o filho que foi beneficiado com a doação em vida dos pais, fica obrigado, por ocasião da abertura do inventário, a fazer a colação do bem doado, ou seja, obriga-se a relaciona-lo entre os bens pertencentes ao espólio, de sorte que, da parte que lhe caiba da herança, será descontada a doação já efetuada em vida.

A questão ganha um destaque especial, quando ocorrer duas situações que podem tumultuar as relações familiares, a saber: o surgimento de outro herdeiro, não existente ao tempo da doação; e a doação atingir valor maior do que a cota dos demais herdeiros.

Quanto ao primeiro aspecto, o texto da Constituição Federal vigente, promovendo a identidade integral entre os filhos, não importando se do mesmo relacionamento conjugal ou não, tornou também irrelevante o fato desse novo herdeiro ter surgido após a doação, seja por reconhecimento ou por nascimento posterior. De qualquer forma, fará jus a concorrer com os demais herdeiros, por ocasião da sucessão, inclusive obrigando aquele que foi contemplado com a doação em vida, a colacionar o seu bem, para divisão de sua cota, em partes iguais, entre todos.

Já o segundo aspecto, tem interesse porque, acaso o bem doado exceda a parte que caiba aos demais herdeiros, o valor que exceder será passível de anulação, para efeito de divisão igualitária entre todos os sucessores. Para que isto não ocorra, os pais, na qualidade de doadores, podem ressalvar, expressamente, na doação, que aquele bem doado seja considerado parte disponível de sua herança, pela qual, eles podem privilegiar não só aos filhos, com a qualquer pessoa, vez que, na herança, a parte disponível, que corresponde a 50%, pode ter o endereçamento que bem entender os titulares do patrimônio, sem que possa haver interferência dos herdeiros. Todavia, não havendo essa manifestação, presume-se que a doação atingiu a parte legítima da herança, ou seja, os outros 50%, que necessariamente deve ser dividido, em partes iguais, por todos os herdeiros.

Marcione Pereira dos Santos é advogado, professor universitário em Maringá e Cascavel, com mestrado em Direito Civil pela UEM.

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