A crise do semi-aberto

Quando alguém é condenado a uma pena privativa de liberdade (prisão), como era de se esperar, o juiz fixa a quantidade da reprimenda e o regime inicial para o seu cumprimento, observando a gravidade do crime, conduta social do autor do delito, além de outras circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, visando precipuamente reprimir a ação delituosa, mas, acima de tudo, com a finalidade de demonstrar à sociedade que o crime não compensa, servindo a punição, também, como forma de prevenir futuros ilícitos penais. Como no Brasil é proibida a aplicação da pena de morte e da prisão perpétua, é fácil concluir que o condenado – mais dias, menos dias -retornará ao convívio social, se o criminoso conseguir sobreviver ao terrível ambiente prisional. Sabendo-se que o retorno ao meio social, portanto, é inevitável, a Lei de Execução Penal obrigou o estado que puniu a realizar a reintegração social do condenado, significando dizer que dentro da prisão o criminoso deve ter à sua disposição um tratamento humanista, educação, saúde, trabalho e principalmente o direito de reaproximação com a família, sem o que será impossível conseguir tal intento. O Brasil desde 1940, com a vigência do atual Código Penal -adota três regimes prisionais: o fechado (quando a pena é fixada acima de 8 anos), o semi-aberto (entre 4 a 8 anos) e o aberto (abaixo de 4 anos).

No regime fechado, o condenado deve permanecer em celas individuais ou coletivas, com direito a sair do isolamento carcerário para banhos de sol, visitas de amigos e familiares, em dia e horário previamente estabelecidos pela direção do presídio. Já no semi-aberto, a lei autoriza saídas externas, sem vigilância, 28 vezes por ano, cabendo ao estado pôr à sua disposição, dentro da prisão, trabalho e educação. No que tange ao regime aberto, a Lei de Execução Penal mandou que fossem construídas casas de albergados, onde o condenado pudesse exercer uma atividade laborativa durante o dia, com recolhimento noturno, até que tivesse ele condições materiais para viver em absoluta independência. Ocorre, todavia, que essas casas jamais foram implementadas no Brasil, embora a lei autorizadora seja de 1984, num completo desrespeito à ordem pública e à dignidade do preso. De tudo resulta que os presos em regime semi-aberto são obrigados a trabalhar e a estudar fora da unidade prisional, porque o Estado é omisso, também, nessa tarefa.

Vê-se, assim, que a intenção do legislador ao criar o regime semi-aberto foi a de ir readaptando aos poucos o detento ao convívio social e familiar, uma vez que restaria inútil fazê-lo diretamente do regime fechado para as ruas. O semi-aberto, nesse prisma, é de enorme importância para a reintegração social do condenado.

Com efeito, embora todos sejamos recuperáveis na visão de Michel Foucault – a verdade é que ninguém se recupera de um crime sem a expressiva colaboração do estado, da sociedade e da família. O mesmo estado que puniu tem a responsabilidade maior nesse mister, porque o detento é custodiado sob a sua guarda, cabendo-lhe, portanto, a missão maior de contribuir para um fim da extraordinária reincidência daqueles que passam pelo sistema carcerário, como todos sabemos. Cabe ao estado fazer cumprir a pena estipulada na sentença penal condenatória, mas, basicamente, é extremamente necessário que haja investimento material e humano nos presídios, oferecendo ao preso as mínimas condições para o restabelecimento da sua auto-estima e da sua dignidade, por vezes vilipendiadas pelos maus tratos. Não é verdade, por conseguinte, se afirmar que o regime semi-aberto está falido, pois a crise penitenciária brasileira envolve todos os regimes prisionais. Por certo, a falência está na forma de administrar e de conduzir os destinos de cada estabelecimento penal. Esse quadro de desolação é muito mais percebido, quando analisamos os altos índices de fugas em relação àqueles que estão cumprindo pena em regime semi-aberto, como é o caso de Pernambuco, onde 900 presos empreenderam fuga, só na região metropolitana do Recife, nos últimos 12 meses. No momento em que os administradores das nossas prisões cumprirem os ditames da lei – punindo os corruptos e corruptores, por exemplo – certamente haverá uma diminuição acentuada na reincidência carcerária e a paz social será conquistada.

Adeildo Nunes é juiz de Execução Penal em Pernambuco, mestre em Direito e membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária/MJ. adeildonunes@uol.com.br

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