A conta é do povo

Nesta democracia em que, por definição, o governo deve ser do povo, para o povo e pelo povo e os poderes sejam independentes e harmônicos entre si, a complicada eleição para a presidência da Câmara dos Deputados revela que no Brasil essas regras não passam de sofismas. Para começo de conversa, uma parte essencial do governo, o Congresso, e, em especial, a Câmara, quer que seja o quanto possível um poder chancelatório do Executivo. E vai para a cucuia a independência e a garantia de que tudo funcionará do povo, para o povo e pelo povo, o que presume um parlamento legislando e fiscalizando o Executivo. Tudo se faz para que o cargo de presidente da Câmara e, num segundo plano, também do Senado, seja senão totalmente obediente, pelo menos dócil à Presidência da República.

Desta vez, entretanto, tudo indica que os parlamentares não estão se dobrando com tanta facilidade à vontade do outro poder, mas sim aos seus próprios interesses e contra os do povo. O situacionismo tem dois candidatos: Aldo Rebelo (PCdoB), já presidente na legislatura que se finda, e Arlindo Chinaglia, líder do PT, a agremiação de Lula. Acontece que o chefe da nação, mesmo tendo um candidato seu correligionário, deixou claro que preferia o parlamentar comunista no cargo. E Chinaglia, com o apoio da maioria dos situacionistas, decidiu continuar no páreo e, para tristeza do Planalto, com mais chances que Rebelo. Surgiu então a candidatura oposicionista de Gustavo Fruet, do PSDB do Paraná, numa demonstração de que o maior partido da oposição não está disposto a curvar-se aos atrativos do Executivo e quer marcar posição.

O que vai decidir não é o desejo de montar um governo constituído de poderes independentes e harmônicos entre si. O que é a moeda de troca cobiçada nada tem a ver com política, preferências de bancadas ou a vontade do presidente Lula. É a posição do candidato a favor de um aumento de subsídios dos deputados que dobre os atuais, elevando-os para R$ 24,5 mil, fora as mordomias. Esses R$ 24,5 mil significariam a adoção de ganhos para cada deputado ou senador de importância igual à que será paga aos ministros do Supremo Tribunal Federal. Dos três candidatos, Aldo Rebelo e Arlindo Chinaglia já se manifestaram a favor desse absurdo aumento. Rebelo parece que recuou de sua posição depois de sentir a indignação popular que uma pretensão tão imoral causou. Só Fruet deixou bem claro que, se eleito presidente da Câmara, vai aceitar aumento de subsídios dos deputados de acordo com o crescimento da inflação, o que os elevaria dos atuais R$ 12,8 mil para R$ 16,5 mil. E que exercerá o cargo voltado para um norte que signifique a recuperação do bom nome do Congresso, acabando com tudo o que vem sendo realizado em detrimento de seu conceito ético, de mensalões a sanguessugas, incompatibilizando os representantes do povo com o próprio povo que deveria representar.

O que deve ser ressaltado neste pleito em que, direta ou indiretamente, o dinheiro está sendo decisivo, é que é dinheiro do povo. Nesta nossa democracia corre-se o risco de, nas eleições para a presidência da Câmara, e também do Senado Federal, haver uma decisão na base do dinheiro, e aos milhões, para os parlamentares e para manter um arremedo de harmonia entre os poderes.

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