A chave

Quem comanda as negociações internacionais, por ordem do presidente Lula, sou eu, diz o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. Ninguém duvida, mas além de Amorim tem mais gente dando palpite nas articulações da Alca, Mercosul e nos procedimentos para as exportações que pagam nossa dívida externa. Quem manda no secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, e no corregedor-geral Moacir Leão, é o ministro Antônio Palocci, da Fazenda, sentencia o presidente José Genoíno, do PT. Mas a Receita Federal faz o que quer: tem o poder de arrecadar mais, arrecadar menos, ou simplesmente fazer operação-padrão exigindo aumento salarial. Na Polícia Federal manda o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Mas ali faz tempo que há problemas e parece que ninguém atende suas ordens. Faltam até simples caderninhos para a expedição de passaportes. Sobre o ministro da Saúde, que reclama publicamente contra atos presidenciais, manda o presidente Lula. E ponto final. Os velhinhos agradecem, mas, como os demais, padecem nas filas do SUS e dos hospitais.

Antes, vimos outras. O ministro das Comunicações queimou discurso contra aumentos tarifários da telefonia em nome do próprio presidente. Mas foi desautorizado pelo Planalto antes de 24 horas passadas. No caso da liberação temporária dos transgênicos, uma medida provisória saía do Planalto com um texto e chegava na Imprensa Oficial com outro. Pode? Uma, duas, três vezes o fiasco se repetiu. Ficou por isso. Sobre o vice-presidente José Alencar manda o presidente Lula, alguém duvida? No Fome Zero, idas e vindas constituem rotina e há dúvidas sobre seu próprio sucesso. Está difícil acreditar e nem mesmo Benedita da Silva, a religiosa ministra que devia estar à frente da promoção social dos pobres brasileiros, consegue mais dormir tranqüila: depois da inocência celebrada em público pelo companheiro presidente no caso da viagem argentina, vem a investigação do Ministério Público. Como fica?

O que se verifica no governo, nove meses e meio depois da posse, é isso. Muita gente mandando e poucos obedecendo. Tem-se a impressão de que poucas coisas, exceto na parte que arrecada, funcionam a contento. E quando parece que funcionam, alguma engrenagem trava. Na Polícia Rodoviária Federal, o escândalo das propinas e favores especiais coloca por terra a reputação da corporação inteira. Não bastasse, vem o vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, e coloca em dúvida o texto da Constituição, nossa lei maior, ao revelar artigos enxertados sem a aprovação dos constituintes. Enquanto Executivo e Judiciário brigam, na Avenida das Torres, em Curitiba, cheia de radares e ratoeiras eletrônicas para apanhar motoristas incautos, uma professora é assaltada e morta pelos bandidos que, há muito, descobriram as facilidades da baixa velocidade imposta pela polícia eletrônica. A enésima vítima. E sem reação da polícia de carne e osso ou dos órgãos de segurança em desapreço que, aliás, colocam seus agentes de licença a serviço da proteção dos radares, não das pessoas. E também matam na madrugada…

Quem manda e quem desmanda? Ordem dada só tem valor se fielmente obedecida. Mas o problema não devia ser exatamente esse. Nem no alto escalão, nem nos andares de baixo de uma sociedade tão cordata como a brasileira. Cordata ou desacordada. Um estudo que o Ministério da Educação acaba de dar à luz da mídia nacional talvez seja a chave para a abertura das portas de um novo Brasil: um professor ganha metade do salário de um policial. E quanto mais pobre é a região, pior é o salário do professor, menor é a sua formação e mais precária é a infra-estrutura da escola em que trabalha. Orientar políticas a serem adotadas pelo governo em todos os níveis é o objetivo do estudo feito pela área do governo em que manda o ministro Cristovam Buarque.

Quando os professores brasileiros ganharem mais que os policiais, provavelmente teremos mais compreensão e menos mandarins na política. Daquela internacional a esta local. Guardas de trânsito são mais importantes, úteis e necessários para orientar do que para multar. Como os professores que, felizmente, muito pouco mandam.

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