A arte de roubar arte

Enumerar aspectos mesquinhos de uma guerra é ingrato. Em primeiro lugar estão os ligados a sobrevivência de pessoas. Fala-se do desamparo de velhos, mulheres e crianças, da fome, das mortes por falta de assistência, de estupros, da destruição material e outros. Assim, o saque cultural nas guerras fica em segundo plano. Ele só ganha evidência depois, quando nada mais se pode fazer. E esta evidência se limita a reportagens em revistas e pouco além disso.

Os alemães levaram o que quiseram dos museus dos países invadidos, na Segunda Guerra. Não apenas destes, mas de coleções particulares. Quando os donos das coleções eram judeus, então os nazistas acreditavam fazer nada mais que um justo confisco. Os nazistas perderam a guerra, foram julgados e condenados. Os principais líderes, que não se suicidaram, foram executados ou fugiram. Outros, perseguidos e presos. Mas muitas obras de artes estão desaparecidas até hoje.

Há algum tempo houve um consenso para repatriar o que foi roubado pelos nazistas e está em museus de outras nações, através do mercado negro. Até museu americano andou, com o coração partido, devolvendo quadros de mestres europeus. E não se deve dizer que este foi um hábito nazista. Boa parte do acervo de museus europeus, na França, Alemanha, Inglaterra e Rússia é feita com obras literalmente roubadas de outras nações, então dominadas.

O mesmo acontece nos Estados Unidos. Peças de civilizações antigas da Ásia, África e das Américas do Sul e Central foram para museus americanos, como fosse legítimo pegar esculturas de civilizações pré-colombianas no interior da Amazônia e sair com elas embaixo do braço. Se a rapinagem corre solta em tempos de paz, durante a guerra é feita de forma científica, planejada, nunca por acaso. Os saques aos museus de Bagdá se inserem nesta lógica.

Os anglo-americanos não são estúpidos a ponto de invadir uma cidade e permitir que o butim contido em seus museus se esvaia nas mãos de eventuais baderneiros. É mais lícito admitir que a baderna teve por objetivo encobrir uma rapinagem planejada, o roubo de um valioso tesouro que dentro de alguns anos vai aparecer por milagre em museus americanos e ingleses. E se a intenção de instalar um governo amigo for bem sucedida, então o Iraque nunca mais vai ver estas obras. Porque, amigo, na visão anglo-americana, é servil.

Como diria o gaulês Breno, que invadiu Roma: aí, dos vencidos! Mas quando a rebimbela estoura no outro lado, não há a mesma placidez. Ao fim da Segunda Guerra, a Europa empobrecida vendia tudo para fazer dinheiro. Famílias ilustres vendiam coleções de arte a preço módico. Foi assim que Assis Chateaubriand e Pietro Maria Bardi organizaram, legalmente, um valioso acervo com o qual se criou mais tarde o Masp.

Este acervo foi apresentado na França e quando os franceses constataram horrorizados que entre os quadros que brasileiros compraram havia uma série valiosa de Eugene Delacroix, foi um escândalo. Não tardou a surgir na imprensa uma campanha para a repatriação das obras de arte retiradas de solo francês. Imaginem o que aconteceria se em vez de compradas estas obras fossem produtos de saque? No entanto, ao contrário do Masp, boa parte dos museus do Primeiro Mundo são um monumento ao caráter bucaneiro de seus países.

Edilson Pereira (edilsonpereira@pron.com.br) é editor em O Estado

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