A Anvisa e as informações não divulgadas

A indústria farmacêutica necessita da Anvisa para validar os esforços e investimentos realizados para a concretização do desenvolvimento do medicamento. Ocorre que algumas informações levadas a registro não precisam e não podem ser divulgadas em virtude de segredo industrial. Compete à Anvisa a proteção dessas informações, em respeito ao direito de propriedade, à livre iniciativa e ao desenvolvimento do setor fármaco.

A proteção ao segredo industrial é feita em consonância com a proteção contra a concorrência desleal, através, primeiro, da Convenção da União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial (artigo 1.º, parágrafo 2.º e 10, parágrafo 1.º); e, segundo, pelo TRIPS, no artigo 39. Este artigo recepciona a proteção conferida em 1967 e estabelece que devem ser protegidas duas espécies de informação: a que esteja sobre a competência da iniciativa privada e aquelas que são levadas ao conhecimento do Governo, como à Anvisa, a qual assume a responsabilidade internacional e nacional de manter o sigilo dos dados registrados. Estas últimas informações serão mantidas em segredo desde que compreenda esforço considerável. Entenda-se por esforço considerável o investimento em pesquisa e desenvolvimento de um produto fármaco.

No Brasil, a proteção as informações não divulgadas dá-se pela Lei n.º 9.279/1996, em seu artigo 2.º, inciso V, 195, incisos XI e XII e 206.

Assim como o registro do medicamento possui importância para o acesso a medicamentos, para as patentes farmacêuticas e para o desenvolvimento; as informações não divulgadas também servem de propulsoras à motivação das pesquisas e do próprio desenvolvimento do fármaco.

Merece tratamento especial, mas na inter-relação com o acesso a medicamentos (interesse social) pemanece, assim como o direito à propriedade, condicionado (o segredo industrial) à função social. Nos termos da ordem internacional e jurídica nacional, pode ser divulgado e colocado à disposição de terceiros para proteger o interesse público.

Este tema assume relavância ainda maior frente à produção de medicamentos genéricos (Lei n.º 9.787/1999), os quais necessitam de testes que demonstrem que estes medicamentos, com a mesma dosagem e dentro do mesmo período de prescrição, produzem efeitos idênticos que os medicamentos de referência. Assim, a Anvisa editou a Resolução n.º 134/2003, que obriga os medicamentos passarem por testes de equivalência farmacêutica e biodisponibilidade.

Observe-se que a informação não divulgada, protegida pelo segredo industrial, apenas pode ser divulgada para possibilitar a pesquisa e desenvolvimento do medicamento genérico, o qual beneficia, diretamente, o acesso a medicamentos, não caracterizando desrespeito à concorrência.

O critério temporal importa, aos países em desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo, para que antes de expirado o prazo de uso exclusivo, possam realizar pesquisas sobre o medicamento referencial. Caso contrário, apenas quando experido o prazo é que poderiam iniciar as pesquisas e testes. Por outro lado, percebe-se a complexidade que é para a indústria farmacêutica manter o controle sobre eventual desrespeito à concorrência.

O uso dessas informações corresponde a uso de propriedade de terceiro, que corresponde, no caso da indústria farmacêutica, a anos de pesquisa e de investimento. Para esta controvérsia duas soluções são apontadas por Jerome H. REICHMAN: a) o compartilhamento de custos entre as indústrias para o desenvolvimento de genéricos; e, b) o subsídio governamental para a realização de testes necessários para a bioequivalência.

A primeira corresponde ao estabelecimento de cooperação entre as empresas para a redução dos custos, que são elevados mesmo para a produção de genéricos. Esta poderia ser conjugada com a segunda alternativa, ou seja, uma cooperação ampla que envolvesse a iniciativa privada e o Estado, voltados para o lucro e para o acesso a medicamentos e, concomitantemente ao desenvolvimento.

Quando do registro das informações, importante que ao menos esteja acessível o entendimento de como colocar em funcionamento aquela invenção, apenas assim, é que conseguirão, as empresas ou mesmo o Estado, utilizar-se do medicamento referencial para a produção de genérico.

O enfoque oferecido ao INPI e a Anvisa é singelo diante da complexidade dos temas e dentre outros aspectos que poderiam ser colecionados, contudo, servem para, ao menos demonstrar a inter-relação de interesses públicos e privados; bem como a necessidade de esforços conjugados entre o Estado e a iniciativa privada.

Patrícia Luciane de Carvalho é consultora jurídica, professora de Direito Internacional, presidente do Instituto do Direito da Propriedade Intelectual e Desenvolvimento, autora do livro Joint Venture Uma Visão Econômica-Jurídica para o Desenvolvimento Empresarial e coordenadora da obra Propriedade Intelectual Estudos em Homenagem à Professora Maristela Basso.

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