A Alca e a eleição norte-americana

O recesso das negociações da Área de Livre Comércio das Américas, iniciado com o fracasso da reunião técnica de Puebla, México, em fevereiro deste ano, deverá alongar-se “sine die”, em consequência das próximas eleições presidenciais norte-americanas, que interromperam de vez o seu curso.

No lançamento da ALCA em dezembro/1994, a Declaração de Princípios da Cúpula de Miami, assinada por 34 Chefes de Estado e de Governo, apontava o seu início “em algum momento a partir de 2005” .

A Declaração da VI reunião Ministerial da ALCA de Buenos Aires, 07 de abril de 2001, estabeleceu calendário pelo qual as conversações seriam “concluídas, o mais tardar, em janeiro de 2005, para entrada em vigor do acordo o quanto antes, até no máximo dezembro de 2005”, significando que deverá ser aprovada no Congresso Nacional de todos os países até esta data definitiva.

O novo embaixador norte-americano no Brasil, Sr. John Davilovich, colocou pá de cal neste prazo. Em entrevista ao O Globo, edição do dia 5 de setembro de 2004, falando sobre o prazo de janeiro/2005 para o fim dos entendimentos sobre a ALCA disse: “janeiro de 2005 é um prazo otimista e será difícil cumpri-lo. Neste momento, temos eleições nos Estados Unidos. Então, há probabilidade de que esse prazo tenha que ser postergado”.

Ainda as declarações do embaixador norte-americano John Danilovich à imprensa em 05.09.04: (O Mercosul e) “os blocos que estão dentro da ALCA fazem parte do mesmo processo: reduzir barreiras, diminuir subsídios, aliviar tarifas e criar uma área de livre comércio”.

No mesmo tom o Embaixador João Alfredo Graça Lima, competente ex-negociador da ALCA e atual representante do Brasil junto à União Européia, levantou a questão da necessidade do Congresso norte-americano renovar o “fast track” ao presidente que vai ser eleito. Declarou o Embaixador em entrevista ao Jornal do Brasil, 08.08.2004: “O novo mandato presidencial nos Estados Unidos torna necessária a renovação do “fast track” (autorização do Congresso dando amplos poderes para o Executivo firmar acordos de comércio), que deverá ocorrer em junho de 2005, pouco antes das férias de verão no Hemisfério Norte que paralisam tudo”.

Na verdade, o renhido pleito estadunidense exerce papel paralisante nos altos níveis de gestão e é uma incógnita o que vai acontecer depois se George Bush for reeleito. Caso John Kerry ascender ao poder “dará um tempo de 120 dias para reexaminar todos os acordos de livre comércio”, conforme afirmou na campanha eleitoral. Há que se considerar, outrossim, que o Partido Democrata defende tradicionalmente teses protecionistas, seus compromissos com os Sindicatos de trabalhadores podem levar um possível governo democrata a propor cláusulas trabalhistas nos acordos comerciais, afora cláusulas ambientais, objeto de promessas públicas do candidato.

Os que temem o isolamento do Brasil se a ALCA vier a ser procrastinada ou até inviabilizada convém aquietarem-se porque isso jamais ocorrerá visto contrariar de frente os interesses das altamente lucrativas multinacionais instaladas no Brasil, que constituem uma blindagem contra eventual retaliação dos Estados Unidos ou de outras nações ricas.

Organização Mundial do Comércio

Recente publicação de livro organizado pela Gazeta Mercantil trouxe a lista das 100 maiores companhias não financeiras (ou seja excluindo bancos) por origem de capital, contendo o local da sede e a receita líquida em 2003.

As 100 empresas estrangeiras, lideradas pela Telefônica SP, estão em primeiro lugar com receita líquida de R$ 267,76 bilhões (38,5%). Em segundo, vêm as companhias privadas nacionais com R$ 247,72 (35,7%) e por último as estatais, com receita líquida de R$ 178,8 bilhões (25,8%), sendo R$ 101 bilhões somente da Petrobras e da Distribuidora BR.

Ademais, o Brasil é excelente mercado na pauta de exportação norte-americana e os EUA também precisam importar muitos produtos brasileiros.

Acontecimentos auspiciosos provieram da Organização Mundial do Comércio (OMC) que tem decidido favoravelmente várias reivindicações brasileiras, revelando-se instrumento válido, eficaz e legal como mecanismo de questionamentos e solução de controvérsias.

Recentemente, tivemos três importantes vitórias em postulações apresentadas à OMC. Ela considerou ao arrepio da lei os subsídios de cerca de US$ 3 bilhões anuais do governo americano a seus plantadores de algodão, com perdas aos produtores, brasileiros entre 1999 e 2002 estimadas em US$ 480 milhões anuais.

A OMC também condenou as ajudas concedidas pela União Européia aos seus produtores de açúcar, que teriam causado prejuízos ao Brasil de ordem de US$ 400 milhões por ano. Anteriormente, ganhamos a causa da Embraer contra a canadense Bombadier.

Em outra decisão, a OMC autorizou o Brasil e outros países a imporem sanções aos Estados Unidos por causa da lei anti-dumping considerada ilegal, a chamada Emenda Byrd que autoriza o repasse a firmas norte-americanas de um percentual sobre multas e sobretaxas cobradas nas importações de aço, frutos do mar, etc.

O Brasil, a lei e a Alca

A campanha eleitoral dos EUA mostra os candidatos a presidente insuflando a exacerbação de sentimentos nacionalistas e patrióticos do povo norte-americano, não apenas nas medidas de combate ao terrorismo e no direito de declarar guerras preventivas, mas também em assuntos de natureza econômica objeto de discussões internacionais.

George Bush e John Kerry lutam para conquistar os votos da maioria do eleitorado e dos colégios eleitorais usando linguagem cada vez mais agressiva para demonstrar quem é mais intransigente e capaz que o outro.

Dentro desse panorama belicoso se a Organização Mundial do Comércio continuar adotando deliberações fulminando subsídios agrícolas dos Estados Unidos, da União Européia e do Japão, e se elas forem cumpridas, ficarão fragilizadas as discussões dos problemas agrícolas em acordos bilaterais ou regionais como a ALCA.

Parece conveniente ao Brasil ocupar mais espaço no plano multilateral ampliado da Organização Mundial do Comércio e porfiar por mais vantagens na futura rodada de Doha da OMC, o que justifica prosseguir resistindo em fazer concessões aos EUA na ALCA e à União Européia (Mercosul) nas questões serviços, investimentos, propriedade intelectual e compras governamentais.

Entrementes, a posição brasileira de Alca Light compartilhada pelos EUA desde a Cúpula de Miami, em novembro/2003, está consentânea com a presente conjuntura de negociações comerciais no âmbito da OMC, considerando-se as atuais assimetrias econômicas e de poder político.

Enquanto nos Estados Unidos da América do Norte, o legislativo define normas e o Congresso delimita as ações do Poder Executivo para a celebração de acordos comerciais universais, cerceando aberturas nas áreas agrícolas e anti-dumping com a chamada legislação do “fast track” aqui compete ao Senado Federal tão somente homologar ou rejeitar tais tratados.

Para corrigir essa omissão, o Senador Eduardo Matarazzo Suplicy apresentou em 15 de maio de 2003 Projeto de Lei sob nº 189/2003, que “define os objetivos, métodos e modalidades da participação do governo brasileiro em negociações comerciais multilaterais ou bilaterais. Parecer do Senador Pedro Simon, na Comissão de Constituição e Justiça, confirmou a constitucionalidade do projeto, que já foi aprovado em caráter terminativo em todas as comissões técnicas, e após ser lido pela mesa do Senado seguirá para a Câmara dos Deputados.

Esse projeto de lei “remete à Organização Mundial do Comércio os temas sistêmicos, tais como serviços, propriedade intelectual, investimento e compras governamentais” e restringe, isto é, delimita as controvérsias comerciais aos enfoques alusivos à “redução de barreiras tarifárias e não tarifárias que dificultam o acesso a mercados”.

A questão da propriedade intelectual têm que ser abordada na Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), igualmente sediada em Genebra (sede da OMC), tirando-a da mesa de debates da ALCA e do Mercosul -União Européia.

O projeto exclui concessões em setores vulneráveis e de grande importância estratégica, como tarifas de importação sobre produtos industriais de tecnologia de ponta, e nas áreas financeiras e de “política cambial”, inclusive controle de entradas e saídas de capital.

O projeto determina que os acordos contenham cláusulas que permitam adequar as importações em caso de problemas no balanço de pagamentos e proteger as indústrias nascentes dos países em desenvolvimento, “como já disciplina o artigo XVIII do Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio (Gatt 1994)”.

Estão de parabéns os senadores com a aprovação desse oportuno e patriótico Projeto de Lei e é desejável que a Câmara dos Deputados dispense tratamento preferencial na tramitação da matéria, aprovando-a tão rápido quanto possível, a tempo de respaldar a ação do Itamaraty nas negociações com a ALCA e a União Européia.

Léo de Almeida Neves

ex-deputado federal e ex-diretor do Banco do Brasil. Autor dos livros “Destino do Brasil: Potência Mundial, Editora Graal, RJ, 1995, e “Vivência de Fatos Históricos”, Editora Paz e Terra, SP, 2002.

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