Zaqueu, do Grupo Obragem, estreia amanhã

O Teatro Paiol, árvores e ruas de paralelepípedo compõe o ambiente que cerca a Rua Almirante Barroso, no bairro Rebouças, em Curitiba. Mesmo próxima do centro, a tranquilidade da via harmoniza com a arquitetura antiga da casa bege, lugar onde se concentram as atividades do Grupo Obragem de Teatro durante as manhãs da semana.

Na entrada, a parede branca destaca o cartaz que lista as atividades realizadas no projeto Dossiê Buchner – pesquisa e montagem, contemplado com o Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz 2009.

O projeto, realizado ao longo de oito meses, culminou na montagem da peça Zaqueu, da qual pude acompanhar um ensaio há mais ou menos dez dias. A ansiedade do grupo agora é para estrear, amanhã, no Espaço Dois. Neste novo trabalho, os atores revezam a interpretação de personagens e mostram os procedimentos adotados para a criação.

Voltando ao dia do ensaio: a sala grande com que nos deparamos logo ao abrir a porta é o estúdio: testemunha do envolvimento com que os seis integrantes encaram o processo criativo.

“Pode sentar aqui”, Olga Nenevê, a diretora, oferece uma almofada e uma mantinha (o dia está frio) para que a acomodação seja confortável. A Edith de Camargo, responsável pela trilha sonora, já está sentada com caneta e bloquinho a postos e os atores se preparam para dar a passada.

Olga é casada com o ator Eduardo Giacomini e, juntos, eles compartilham a casa – cozinha, quarto, sala, banheiro, varanda e quintal – com os outros quatro atores da companhia: Elenize Dezgeniski + Fernando de Proença + Ronie Rodrigues + Vanessa Vieira. A morada ainda abriga os gatos Chimu e Melie.

Sozinho, Fernando de Proença entra em cena carregando casacos em um dos braços, caminha devagar pelo espaço retangular e, cuidadosamente, dispõe as vestes no chão em cada canto da sala forrada com linóleo.

Fala: “Nota de esclarecimento: estou confuso e inadequadamente sensível esta noite. De todas as minhas auto-representações nenhuma me ocorre agora. O fato é que olhei imagens que revelaram pedaços meus.”

Neste momento ele é Zaqueu, o filho, em outros encarna Angélica, a mãe. Na busca de uma satisfação inalcançável, eles se mostram incapazes de superar o vazio de suas vidas e acabam por perderem-se um ao outro e a si mesmos.

A brincadeira envolvendo o ator com o personagem e a experiência do revezamento de um pelo outro é compartilhada com os outros atores, criando várias camadas de representação.

“As trocas revelam os diferentes modos com que cada um atua. Não queríamos fechar os personagens em um só recurso, mas dar a ele algumas características que unissem essa figura”, diz Olga. “Engraçado essa palavra “fingem’, porque a coisa aqui é, no fundo, um fingimento”, diz uma das falas de Angélica, a mãe.

Olga retoma: “O Zaqueu é a metáfora de um corpo marionete. Fala sobre a relação do ator com o personagem”. Para os atores, tudo se transfigura em um posicionamento muito particular em cena.

“A experiência nos fez pensar no modo como construímos os personagens. O olhar externo nos fez pensar em como queremos falar sobre encenação”, contribui Elenize.

Com Zaqueu, a terceira peça de uma trilogia, o grupo aprofunda sua pesquisa sobre a morte e sobre as questões da representação, iniciadas com as peças Passos, de 2008 e O inventário de Nada Benjamim, de 2009.

Criada a partir da seleção de notícias de jornal, a peça apresenta um retrato sensível da nossa sociedade e retrata a vida privada atravessada pela violência do comportamento social.

A junção das histórias se desdobrou em imagens e diálogos que sugerem uma percepção mais afetiva de um cotidiano cruel que permanece sufocado em páginas policiais. A busca ,é por aprofundar questões dessa realidade e investigar a sua tridimensionalidade.

“É um tema bem difícil de trazer para o teatro e é impressionante como vocês conseguiram dar um acabamento com tantos elementos diferentes. É um projeto muito coerente”, opina Edith, musicista que já trabalhou em muitas peças do grupo.

Ela vêm trabalhando desde o começo do projeto com as aulas de canto, que possibilitariam aos atores cantarem em cena, uma vontade antiga da diretora que foi concretizada agora.

“A transposição da palavra escrita para a falada em busca de sonoridade originais apareceu em muitos trabalhos. Mas o canto nunca chegou de forma tão acabada, vinha mais como uma sugestão.” Para Olga, o canto chega para distanciar o olhar da crueza da cena, é “um salto poético no meio do caos.”

A conversa que tivemos ao final da peça sublinhou como a percepção do cotidiano enfrenta obstáculos que atrofiam as subjetividades no entendimento do que ocorre com o outro.

Qual é a fragilidade de uma mãe que precisa acorrentar o filho viciado em crack dentro de casa? Como uma mulher desapareceu no meio do centro da cidade sem ninguém ter visto?

Serviço

Zaqueu.Teatro Espaço Dois – Rua Comendador Macedo, 431.De 27 de agosto a 12 de setembro. De quinta a sábado às 21h e domingo às 19h.Ingresso: R$ 10,00 (inteira).