Um jogo, mil conclusões distintas

Usar sempre a mesma camisa, sentar-se no mesmo lugar, ter a mesma companhia… Quando o assunto é futebol, cada um tem sua superstição. A de uma amiga minha era assistir todos os jogos do Brasil na Band. Engraçado lembrar de quando havia essa possibilidade, não? Dessa vez, sabe-se bem, a Globo pagou um preço exorbitante pelos direitos de transmissão da Copa e nenhuma outra TV aberta conseguiu oferecer o que ela pedia para passá-los adiante. A Record foi a última a fazer uma proposta, que não foi aceita. Resultado: mesmo tendo uma audiência fabulosa e um ótimo retorno dos anunciantes, a própria Globo teve um baita prejuízo. Ao mesmo tempo, as outras emissoras tiveram de rebolar para criar atrações alternativas e se contentar com um minuto e meio de imagens de cada jogo, cedidas após um determinado horário e com autorização de uso por tempo limitado.

Com essa exclusividade da Globo, os torcedores brasileiros não têm a possibilidade de uma “segunda opinião” durante as transmissões, como se diz em um consultório médico (a não ser que recorram ao rádio). Assim, se o Galvão Bueno (que sempre narra os jogos do Brasil) disser que “a seleção erra muitos passes mas faz uma excelente partida”, que “fulano prende demais a bola” ou ainda que “esse é um adversário fortíssimo”, boa parte da torcida dirá exatamente a mesma coisa no dia seguinte.

Última palavra

Não que o diagnóstico dele seja o único no ar, mesmo na Globo: várias vezes ele e Arnaldo César Coelho discordam sobre algum ponto, e Casagrande e Falcão têm liberdade para emitir opiniões diferentes. Mas nada se compara ao poder de influência do Galvão. Por sua própria função, ele tem a última palavra – e a maioria delas. Enquanto narra o jogo, mal se distingue o que é descrição objetiva do fato (o que, convenhamos, é bem difícil; toda descrição implica em subjetividade) e o que é interpretação sobreposta à imagem, muito além da tentativa de objetividade. Acontece que o próprio Galvão é, assumidamente, o torcedor número um, que se empolga e se irrita com o jogo, e transborda suas emoções pelo microfone. Se não fosse o Galvão, seria assim também com outros narradores, em dose maior ou menor. Torcendo ou não, o que cada um oferece é a sua visão do jogo, e é difícil não ser categórico. Se você tem certeza do que diz, por que não o seria?

Mesas-redondas

Mesmo assim, mesmo com a fidelidade de milhões de brasileiros às opiniões do Galvão, a Copa é o reinado absoluto das mesas-redondas. Curiosamente, na Globo há poucas. Em outros canais, em compensação, o futebol ocupa muito mais tempo do que os 90 minutos de jogo, e alguns convidam os espectadores a participar dos debates. Além de reclamar do técnico e dos jogadores, muitos criticam os próprios jornalistas: dizem que Rivaldo, Ronaldo, Romário, por exemplo, são “invenções da mídia” ou coisa parecida. Parece que, não importa o que se diga, os torcedores atribuem a todos uma única opinião, que eles julgam interessada, interesseira, mentirosa.

Cada um vê um jogo diferente, ainda que a transmissão seja a mesma para o Brasil inteiro. E conceitos anteriores prevalecem sobre todas as imagens e palavras. Quem não gosta de Cafu vai criticar o nosso capitão até o fim dos tempos, mesmo que ele seja o melhor em campo. E Galvão Bueno também não escapa dos “pré-conceitos”. Ele pode criticar a seleção do começo ao fim do jogo, que aqueles que o consideram um porta-voz do ufanismo nacional sempre vão dizer: “Só o Galvão Bueno gostou do Brasil”.

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