Sidónio Muralha: vida e ensinamentos

Sidónio Muralha nasceu, em Lisboa, em 1929. Entretanto, o regime de Salazar o fez deixar o país natal, onde sua voz de poeta andava sufocada, por ser viva, atuante. O poeta tornou-se, então, também longe da pátria, perito em economia e finanças, não abafando a poesia, o que lhe era impossível. Fisicamente longe de Portugal, andou levando consigo a família e a pátria: Congo Belga, Bafatá, Guiné Bissau, Bruxelas, Ostende, Dakar, Londres, Paris, Brasil – São Paulo e Curitiba, onde, viúvo, se casou com a doutora Helen Anne Buther Muralha.

A propósito de seu auto-exílio, diz em Companheira dos homens: “O medo faz calar as aves nas florestas densas, mas as canções dos homens fá-las mais largas, mais intensas, mais impiedosas, mais rudes, canções que ferem e espantam, pois com o medo as aves calam-se e os homens gritam e cantam. E a canção é um homem que percorre o mundo lês a lês e que passa as fronteiras sem precisar de passaporte”.

Sodónio Muralha faleceu em Curitiba, em 1982. A esposa Helen Buther Muralha, em gesto de amor e consciência por uma obra que não merece morrer ou ficar esquecida, criou a Fundação Sidónio Muralha de que todos reconhecem o altíssimo valor, principalmente na área da educação. Deste português Sidónio Muralha, de amplitude européia africana e brasileira e, evidentemente, universal, que quer dizer, ao final e ao cabo, profeta – de um mundo ou mundos sem fronteiras, denunciador – é homem sem limites.

A sua obra literária, poética, dendo do neo-realismo, aos olhos, à observação, à análise, à crítica, à inteligência arrasante e construtiva de Sidónio Muralha passa um mundo inimaginável de tipos humanos: o doido, o presidiário, a meretriz, o pescador – o mar lhe é muito freqüente; a bailarina, o pirata, o soldado, a mulher grávida, o atleta, a rapariga que vende flores, a empregada doméstica, a varina, o boêmio, o agiota, as crianças sem amor, o mendigo, a criança doente, o marinheiro, o cego.

E aí vem tratando, considerado o assunto, com o carinho, o amor, a ironia que a gente humilde, trabalhadora, humilhada, desprezada, esquecida, pisoteada, merece da parte do poeta Sidónio Muralha. É este o material básico do seu trabalho poético, objeto de sua consideração e paixão, do seu lirismo e do seu brado de elevação, do sonho que, incansavelmente, sonha enquanto sua cama poderá ter “um jeito de berço”.

A idéia que vem expressa em Poema de Amor lhe é recorrente: a crítica pela crítica, o “voyeurismo” resultante da mera curiosidade, o sentimento sentimental ou sentimentalóide nada lhe dizem. É inútil, é vazio, é perda de tempo. O olho crítico, irônico, voltado para os que têm obrigação de descobrir o mal e de descobrir as causas do mal e as suas conseqüências, substituindo o mal pelo bem, revoltado, enfim, contra o mal – este, finalmente, é que detém o poeta e o torna biblicamente profeta.

Seus versos são duros, podem ser, até, cruéis, nas não são pessimistas, a esperança lhes está sempre presente. No poema Amanhã, parece-me sintetizar a obra poética de Sidónio Muralha: teremos amanhã diferente, muito diferente do de hoje. E ele se conecta com o poema Prelúdio que, ao final e ao cabo, se torna sinônimo do toque de amanha: pré + lúdio.

Verdadeiramente, poesia é vida. A poesia de Sidónio Muralha, por mais negativa que, em momentos de divina cólera, parece querer destruir, pôr abaixo, anima, constrói, incute esperança: “Vai levar aos que se cansam da longa caminhada a água pura e fresca do encorajamento”. Sidónio Muralha envelheceu? Está ultrapassado? Garanto a todos que está, hoje, tão jovem como foi ontem. É poeta atemporal.

Leopoldo Scherner

é professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e integrante da Academia Paranaense de Letras.

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