Sai amanhã vencedor da Palma de Ouro

Na pesquisa encomendada pela revista Variety o vencedor da Palma de Ouro costuma ser exibido no 10º dia da competição. Este dia foi a quinta-feira. Chegou Don’t Come Knocking, de Wim Wenders, recebido com pinta de campeão. O diretor foi aplaudido como nenhum outro ao chegar para a entrevista coletiva, após a projeção. Don’t Come Knocking é o melhor filme do diretor em muitos anos, mas de alguma forma o entusiasmo que o filme provocou, de manhã, terminou diminuindo ao longo do dia. Pois na noite do 10º dia chegou The Three Burials of Melquiades Estrada. O longo da estréia do ator Tommy Lee Jones na direção é surpreendentemente bom. E tem em comum com o filme de Wenders o fato de ambos beberem na fonte da cultura do western. Mais até do que Don’t Come Knocking, Melquiades Estrada é um western contemporâneo.

Foi escrito por Guillermo Arriaga, o roteirista de Amores Brutos e 21 Gramas. Passa-se na fronteira dos EUA com o México. Um guarda de fronteira (Barry Pepper) mata um mexicano clandestino. Tommy Lee Jones faz o amigo do morto. Para cumprir a promessa que lhe fez – ser enterrado na sua cidade natal -, ele arrasta Pepper numa jornada violenta. É um filme sobre amizade, sobre redenção. Pepper, o melhor ator do 5.º festival, é um sujeito detestável quando o filme começa. Humaniza-se ao longo do relato. É um belíssimo filme, com todos os defeitos que possa ter. E Tommy Lee Jones diz algo emocionante. A fronteira americano-mexicana é um dos lugares mais violentos (e sangrentos) do mundo, embora ninguém fale disso. "É um absurdo; é um só um rio e a mesma cultura dos dois lados."

Hoje foi um dia especial do 58º festival. A Semana da Crítica promoveu a exibição de Histoire(s) du Cinéma: Moments Choisis, de Jean-Luc Godard. O grande revolucionário da linguagem e da política fez uma versão concentrada (1h25) da sua enciclopédia de cinema. O que é o cinema, Godard se pergunta? ‘Rien’ (Nada). O que se pode fazer com ele? ‘Tout’ (Tudo). É um instrumento de conhecido, é uma indústria – uma usina de sonhos. Na era da imagem, você chora com as ficções baratas e não se impressiona muito com a violência real servida nos telejornais. Godard cita Henri Langlois, o eterno diretor da Cinemateca Francesa – "O cinema ilumina espaços escuros da alma humana que as pessoas nem sabem que possuem." Homenageia Jorge Luis Borges, por meio da rosa amarela que muda as pessoas. "Ganhei a minha rosa", ele diz e você sabe que foi o cinema.

O 58º festival termina amanhã com a entrega dos prêmios aos vencedores. Domingo, o júri dá uma entrevista à tarde, explicando suas escolhas. O que o presidente Emir Kusturica e seus colegas jurados vão premiar? Caché, de Michael Haneke, é o mais cotado (hoje já ganhou o prêmio Ecumênico), com cinco Palmas de Ouro (num total de 15) no quadro de cotações da revista Le Film Français. Last Days, de Gus Van Sant, Manderlay, de Lars Von Trier, e Broken Flowers, de Jim Jarmusch, ganharam três palmas cada. Don’t Come Knocking e A History of Violence, de David Cronenberg, duas palmas cada. Haneke fez seu melhor filme, embora Caché, como sempre, em se tratando deste autor, está longe de ser uma unanimidade. L’Enfant, dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, com apenas uma Palma de Ouro no quadro de cotações, não poderá ser esquecido. Talvez seja o melhor de todos os filmes vistos aqui. O filme de Jarmusch e o de Tommy Lee Jones não poderão ser esquecidos. É o que se espera ao menos.

Foi um festival de grandes diretores, mas não de grandes filmes. Houve alguns ótimos, é verdade. Cannes 2005 não celebrou o plano-seqüência nem o digital como outras edições recentes do maior festival de cinema do mundo. A lente zoom voltou à moda. E as histórias de paternidade fizeram-se presentes em muitos títulos da competição (entre outros, os filmes de Jarmusch, Wenders, Cronenberg e o dos Dardennes). Um tema quase obsessivo foi o passado que irrompe na vida das pessoas, com sua carga de responsabilidade e de culpa. Cannes continua sendo, nas seções paralelas, um lugar onde se celebra a provocação e a experimentação.

A competição dá cada vez mais peso à indústria – seja de Hollywood ou européia. É um absurdo que um filme como Sin City, de Frank Millar e Robert Rodriguez tenha sido apresentado em concurso. Quentin Tarantino, que presidiu o júri do ano passado, dirige uma seqüência – será que isto tem a ver? O italiano Quando Sei Nato non Puoi Più Nasconderdeti é outro absurdo, mas por outro motivo. Marco Tullio Giordana, do belíssimo A Melhor Juventude, fez o pior filme do festival, um novelão cheio de boas intenções. O Brasil brilhou na mostra Un Certain Regard com filmes que poderiam muito bem ter concorrido (e até ganhar) a palma.

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