Quem conhece o amor entre cão e dono vai entender o livro de Walcyr Carrasco

“Quem resiste à expressão cheia de amor de um cachorro?”. Certamente não o autor dessa pergunta que está num trecho do livro Anjo de quatro patas. A mais recente obra do escritor Walcyr Carrasco nada tem haver com novela, mas está – como nas suas histórias de ficção – recheada de amor, intrigas, brigas, lágrimas e humor. Só que é uma história real, a dele e a do huski siberiano que entrou na sua vida por acaso – se é que isso existe.

Uno e Walcyr formaram por muito tempo uma dupla curiosa – quase excêntrica. Ao perder a companheira, vítima de câncer, o escritor resolveu se isolar das lembranças que só faziam aumentar a dor da saudade. Foi para um condomínio fechado, afastado quase uma hora de São Paulo, e lá encontrou lago com patos, mata preservada e silêncio. Uno também adorou esses detalhes do lugar e quando perdeu seu posto de reprodutor – ele deveria dar origem a um canil, mas a idéia de riqueza a custa de filhotes de huskies foi frustrada e antes que Uno fosse parar sabe-se lá aonde – Walcyr o resgatou para ser o seu cão de guarda.

E, como sempre acontece na relação entre os animais, as coisas fugiram um pouco do planejado. O bicho, com um olho azul e outro caramelo, se transformou num andarilho noturno, forte e viril, mais pra boêmio do que pra cão de guarda e revelou-se um exímio caçador: de cachorras – de madame – e de patos – para desespero dos moradores do condomínio e, mais ainda, do dono do cão que pagou pelos penosos devorados.

“Apesar de grandes, da aparência feroz e do uivo assustador, huskies não funcionam como cães de guarda. (…) No fundo, não nos pertencem. Eles sim são nossos legítimos donos”, revela Walcyr num trecho do livro.

O escritor Walcyr Carrasco e Uno.

Graças a uma habilidade especial – do dono – o bicho trouxe a alegria e a inspiração de volta. É que no olhar de um animal que não fala, mas nos acompanha no dia-a-dia, há todo um discurso que só as pessoas mais sensíveis conseguem compreender. E uma vez estabelecida essa comunicação, o carinho mútuo se transforma numa verdadeira amizade, como a que Walcyr teve com Uno e que foi compreendida por milhares de leitores de Veja, onde ele relatou a doença do cão num artigo de fazer chorar quem gosta de animais. Prova disso foram as inúmeras cartas que a revista recebeu com mensagens de solidariedade.

Numa delas, a essência dessa relação: “Um cachorro é uma grande companhia, um amigo incondicional”. E Walcyr vai mais longe: “Meu cachorro me ensinou a amar”.

Bienal

Walcyr Carrasco e a história da amizade com Uno foi parar na maior feira editorial do Brasil, a Bienal do Livro, que está acontecendo em São Paulo. Além de lançar oficialmente o livro o autor de Anjo de quatro patas, ministrará uma palestra, com o tema A palavra, nessa terça-feira, às 16h30.

Teatro

Quem ler o livro vai descobrir que o autor tem um humor refinado, que só transparece de vez em quando nas novelas, mas que se dobra numa comédia rasgada quando vai para o palco. Hoje é o último dia de Toalete, no Guairinha. A comédia – com texto de Carrasco e direção de Cininha de Paula – mostra o universo feminino com seus conflitos, devaneios, angústias, felicidades e intimidades.

Um pouco mais sobre Walcyr Carrasco

Por email, Walcyr falou com a jornalista Chris Beller.

P – Quero saber se você leu Marley e eu e se o livro – que também fala da relação entre um escritor e seu cachorro labrador – serviu de inspiração para que você colocasse no papel a sua história com Uno. Ou se houve outra motivação?

Walcyr – Não, n&ati,lde;o li. Justamente porque eu já pensava em escrever sobre minha relação com Uno. A minha grande inspiração foi realmente meu cachorro Uno, a quem sempre amei.

P – Hoje você tem uma cadela, mas não descreve a sua relação com ela no livro. Gostaria de saber de que raça é, quanto tempo ela está com você e um pouquinho das suas aventuras com ela. Se escala muros, seduz os cães da vizinhança…como o Uno.

Walcyr – Ela é vira-lata, chama-se Isis. Foi encontrada abandonada na praia, ainda filhotinha. Ela é uma dama. Fica sempre quietinha no colo, os olhos pedindo carinho. Mas já chegaram também o Cauê, um shitsu peludo e a Morgana, outra viralata, encontrada na rua por uma amiga. E esta sim, é uma peste. Rói tudo. Até meus livros!

P – Você já tem planos para a próxima novela? Vai investir na linha mística que o consagrou? Você conhece bem os rituais da ordem Rosa Cruz e acredita em vida depois da morte, tanto que já tratou de temas místicos nas suas novelas, por isso gostaria de saber mais alguma coisa nessa área: você continua na Rosa-Cruz?
Pratica algum ritual pra expandir suas possibilidades de sucesso? É supersticioso?

Walcyr – No momento estou pensando no meu próximo trabalho em televisão, mas nada há ainda de concreto. Eu fico um pouco desconfortável em falar “investir na linha mística, porque não é um investimento. É minha vida. Eu sou místico, frequento a Ordem Rosa-cruz AMORC, e minha vida é toda voltada para uma tentativa de crescimento espiritual, tão difícil, não é? Mas se a gente melhorar um pouquinho nesta vida já será alguma coisa. Como Rosa-cruz eu jamais faria algum ritual para buscar algo material como o sucesso na vida profissional. A minha busca é por iluminação, por um contato com o divino. E não, não sou supersticioso. Eu acredito em algo superior.

P – Como você analisa a concorrência com as novelas da Record, principalmente as que usam realismo fantástico (Mutantes). É mais um local de trabalho ou obriga o autor de uma trama a se superar?

Walcyr – Eu respeito o trabalho da Record e a concorrência é sempre bem-vinda.

P – A gente sempre sabe sobre a vida dos artistas, mas autores dificilmente se expõem. É difícil se expor ou você pode compartilhar com a gente algo que alguém ainda sabe sobre você?

Walcyr – Hummmm… Não é questão de me expor. Minha vida é mesmo calma, voltada para a busca de um entendimento superior. Gosto muito de ler, de ficar calmamente em casa, de pensar, jantar fora, ficar com meus bichos (tenho também dois gatos, Merlin e Shiva). Mas o que o público nunca vai saber é que cozinho bem. Adoro. Faço cursos de culinária e, cá entre nós, meu risoto de funghi é famoso entre os amigos. Quem sabe um dia você experimenta um?