Pinacoteca terá exposição de criações de Mona Hatoum

“A política é sempre o subtítulo do meu trabalho”, diz a artista Mona Hatoum. Quando ela traz para suas obras temas como a violência e a opressão, não quer que sejamos superficiais de rotular seus interesses apenas por sua origem – nascida em 1952 em Beirute, em uma família palestina, ela se estabeleceu em Londres em 1975 enquanto seu país vivia imerso em guerra civil. Mona Hatoum também não é uma feminista por falar das mulheres em seus trabalhos. Ao tratar de questões complexas com ironia, contundência e delicadeza, a artista tornou-se das mais celebradas da arte contemporânea. A riqueza de sua produção poderá, enfim, ser conferida em São Paulo a partir de sábado, 6, quando a Estação Pinacoteca inaugura uma grande exposição dedicada a suas criações.

A mostra, primeira individual de Mona Hatoum em um museu da América Latina, conta com obras importantes de sua trajetória, datadas de desde 1985, como o vídeo Measures of Distance (1988) e Paravent (2008), uma escultura de aço que representa um ralador agigantado, mas tem também como destaque apresentar uma série de trabalhos inéditos que a artista criou este ano a partir de sua experiência no Brasil. A instalação Sonhando Acordado, por exemplo, é formada por belas fronhas de travesseiros bordados por mães de crianças que sofrem de problemas cardíacos e esperam por transplante. Sobre o tecido, 33 mulheres escreveram e desenharam seus sonhos e desejos em peças que ficam pregadas em varais vermelhos amarrados nas colunas do espaço expositivo.

“Senti que essas mulheres, ou mães, de uma forma geral, estão aqui para um único objetivo, esperam cuidar de seus filhos, de seus maridos. Perguntei a elas sobre seus próprios sentimentos. Esse foi o começo do meu pensamento”, conta a artista, que criou o projeto depois de uma visita feita em 2010 à Associação de Assistência à Criança e ao Adolescente Cardíacos e aos Transplantados do Coração (ACTC). “Ninguém pergunta a essas mães sobre seus próprios sentimentos, desejos, sonhos, porque tudo é para a família, para a criança, doente. Foi extremamente comovente estar próxima dessas mulheres”.

Outra peça nova, Drowning Sorrows (Cachaça) – algo como “afogar as mágoas” -, é uma composição com garrafas coloridas de aguardente sobre o chão, como as que podem ser vistas nas ruas do centro da cidade. Nesse segmento, também, Janela é a projeção em circuito fechado de imagens e sons captados ao vivo da praça em frente da Estação Pinacoteca, no Largo General Osório. E há outras mais.

Palpável

“Vi a Cracolândia, é muito triste. E toda essa área, com a (rua) 25 de março, é popular e muito violenta. Quis trazer isso para dentro”, conta Mona Hatoum, que vive entre Londres e Berlim. “São Paulo me lembra muito Beirute, elas têm o mesmo tipo de coisas, o tráfego, o clima, é palpável sentir as coisas”, continua a artista. A sala com suas obras inéditas, no espaço central do quarto andar da Estação Pinacoteca, parece, assim, conjugar diversas instâncias da poética da criadora. Combinar o interior com o exterior; intimidade – e a vida doméstica – com a violência. Como afirma a curadora da mostra, Chiara Bertola, Mona Hatoum está sempre nos lembrando o quanto a vida pode ser “mágica e perigosa”.

O prédio da Estação Pinacoteca tornou-se, afinal, um local extremamente rico para a artista não apenas por seus arredores, como por sua história, a de ter abrigado, entre 1940 e 1983, a seção paulista do Departamento de Ordem Política e Social entre 1940 e 1983. “Por ser um lugar de tortura, quis incluir peças sobre diretamente ligadas à violência”, conta Mona Hatoum. Nesse sentido, ela cita como trabalho referencial o grande Globo vazado de aço, criado em 2007, cujas faces remetem às grades das janelas das prisões.

O tema da guerra, assim, aparece de forma direta em outras criações da exposição, que depois seguirá para a Fundação Proa, em Buenos Aires. Misbah (2006-2007) é uma luminária com formas de soldados recortadas, que ficam em rotação como uma lanterna mágica; e há ainda um cubo de arame farpado, uma peça “minimalista”, observa a artista, que, inevitavelmente, faz associações sobre demarcações de fronteiras.

Nesse segmento, ainda, chama a atenção Over My Dead Body (1988), uma espécie de painel publicitário que traz o rosto da artista, de perfil, com um soldadinho de brinquedo sobre seu nariz. “É uma expressão do dia a dia (“Só por cima do meu cadáver”) adaptada, que você pode ver como feminista, anti-bélica, mas é uma imagem complexa se pensarmos que há brinquedos para meninos e meninos que se tornam brinquedos”, diz.

Talvez Over My Dead Body seja uma das peças mais literais da mostra, entretanto, trabalhar no campo da arte e da política é, para a artista, o desafio de criar mais que argumentos. A estética é uma questão fundamental – “chame-me de fora de moda, não me importo”, brinca – a fim de conquistar o público por meio de camadas diversas que incluem a relação física e a aproximação sensível com a obra. “Não se pode dar respostas, não se pode educar com a arte”, afirma a artista. “A linguagem das artes visuais é muito ambígua para se falar em termos diretos”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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