Pessimistas, otimistas & o doutor Pangloss

Alguém definiu o pessimista como um otimista bem-informado. (E o otimista, pergunto eu, seria um pessimista mal-informado?). Um humorista polonês, cujo nome me foge, afirmou: “Sou otimista: acredito profundamente na influência salvadora do pessimismo”. Mário da Silva Brito, o mestre dos saborosos “desaforismos”, é mais contundente: “As necrópoles estão abarrotadas de otimistas quentes dormindo em túmulos frios”. Outro cidadão, lembrando talvez a teoria de Leibniz, pondera: “O otimista afirma que vivemos no melhor dos mundos e o pessimista tem medo de que isso seja verdade”.

À margem desse compreensível antagonismo entre otimistas e pessimistas, é Albert Schweitzer quem faz a colocação mais racional e eqüânime. O que diz o grande humanista, teólogo e organista? Isto: “Meu pensamento é de pessimista, mas a minha vontade e a minha esperança são de otimista”.

Já eu creio que o pessimista sofre antes, durante e depois dos eventos funestos que prevê, enquanto o otimista, que não os prevê, pelo menos não sofre antes. Leva, portanto, uma pequena vantagem. Certo?

Eu diria ainda que, enquanto o otimista se banqueteia, sorridente, o pessimista tem dor de barriga, de cara feia. De gozo de férias na praia, o pessimista, ao ver que o céu começa a nublar-se, grita: vai chover! O otimista murmura: talvez faça sol…

Há um personagem engraçadíssimo no Cândido ou o otimismo, desse gênio da ironia, da sátira e do sarcasmo que se chama Voltaire. É o dr. Pangloss, mestre de Cândido. Filósofo de província, ele enfatizava, acacianamente, que não existe efeito sem causa. E sustentava que neste mundo, o melhor dos mundos possível, o castelo do senhor barão era o melhor dos castelos possível e a baronesa, a melhor das baronesas possível.

“Estará superabundantemente demonstrado – ensinava Pangloss – que as coisas não poderiam ser diferentes do que são: pois como tudo está destinado a um fim, tudo está necessariamente destinado ao melhor fim. As pernas foram visivelmente instituídas para usar calças – por isso usamos calças. E como os suínos foram feitos para serem comidos, e não para enfeitar as pocilgas, nós comemos presunto, lingüiça e bacon o ano inteiro. Por conseguinte, quem diz que tudo está bem, diz uma rematada besteira. Deveria dizer antes que tudo está o melhor possível.”

Assim Pangloss ensinava o seu discípulo. Que, candidamente, acreditava na lição professoral. Embora, durante as suas doloridas peregrinações pelo mundo tivessem ambos – mestre e aluno – razões de sobra para encarar com maior ceticismo a lição leibniziana.

Mas o que vem a ser o otimismo? Essa pergunta foi um dia formulada por Cacambo a Cândido. Este, com as ilusões já balzaquianamente perdidas, respondeu com singeleza: “É a mania de sustentar que tudo vai bem quando tudo vai mal…”.

É evidente que o quadro geral do mundo contemporâneo, com sua teia emaranhada de crises, não admite o otimismo. Mas também não pode conduzir-nos ao porto inseguro do pessimismo crônico.

Fechemos, pois, os ouvidos aos sermões das cassandras, que auguram desastres e vaticinam catástrofes a todo instante. Elas são as vestais de um pessimismo que acaba por minar os alicerces do edifício da esperança, e corroer a rocha soberba da fé. Tampouco deveremos dar crédito aos arautos do melhor dos mundos, ou do “tudo vai bem”. Eles são os sacerdotes pagãos de um otimismo alvar, néscio, que só pode anestesiar e enfraquecer.

É a visão realista, e só ela, que nos dá plena ciência e consciência da realidade, dos seus problemas e dificuldades. Mas também das suas possibilidades e potencialidades positivas.

No cenário do real (e eu não me refiro à moeda), nesse palco imenso em que se desenrolam dramas e comédias, temos que abominar Pangloss, que às vezes exibe a face radiante de Ariel. Mas temos que repudiar também a sua antítese – o sinistro Caliban.

Otimistas incorrigíveis e pessimistas sistemáticos são de igual modo perniciosos, quando não deletérios. Uns, superdimensionam; outros, subestimam. Uns, fitam os píncaros das montanhas; outros, baixam os olhos para o seu umbigo. E a verdade é que tanto uns quanto outros se esquecem do principal: todos estão na larga planície que se chama realidade. Onde os moinhos não são, como os imagina o fidalgo da Mancha e da triste figura, gigantes e malandrins, mas apenas moinhos de vento rústicos, como os enxerga – realisticamente – o bom e fiel Sancho Pança.

Se o ópio do otimismo engana, ilude e obscurece os sentidos, distorce e transfigura as imagens, otimizando o que não é bom, o vinagre do pessimismo pode levar à paranóia ou à esquizofrenia. Só o realismo contenta. Só ele satisfaz. Só ele nos liberta das fantasias vãs, dos sonhos mirabolantes e das utopias irrealizáveis.

Cultivemos, portanto, um realismo honesto, sério, discreto, sadio, construtivo. Sócrates, Platão e Aristóteles, a trinca maior do pensamento filosófico, não apenas abonam, respaldam e justificam, como estimulam essa postura existencial exemplar. Adotemo-la, sem tardança. Aqui e agora.

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