Perfume de polpeta

As primeiras cenas de “Esperança” não deixam dúvidas. A nova novela de Benedito Ruy Barbosa terá um pouco de tudo que já se viu em novelas anteriores do autor, como “Os Imigrantes”, “O Rei do Gado” e “Terra Nostra”, das quais herdou o sotaque italiano. E, de quebra, “Esperança” traz generosas porções de referências cinematográficas, tão ao gosto do diretor Luiz Fernando Carvalho. O colorido Marrocos de “O Clone” dá lugar à pitoresca Itália de ares medievais, representada pela pequena Civita di Bagnoregio. Entre campos floridos e ruas estreitas, eis que volta e meia surge um sorridente Reynaldo Gianecchini – ou melhor, o “belo ragazzo” Toni – pedalando velozmente sua inseparável bicicleta. Uma clara alusão ao filme “O Carteiro e o Poeta”, de Michael Radford, igualmente ambientado na terra da pizza. De fato, inspiração é o que não falta para o diretor Luiz Fernando Carvalho dar a “Esperança” um “quê” de produção cinematográfica. O jogo de luz e sombra, aliado à cuidadosa produção de arte, valoriza as cenas dramáticas. Tudo bem ao estilo neo-realista italiano, que marcou os filmes produzidos no país logo após a Segunda Guerra Mundial. O risco é exagerar na dose “cult” e acabar entediando o grande público.

Mas se as referências cinematográficas servem para afagar o ego do diretor, é com uma velha e manjada história de amor proibido que a Globo pretende segurar o telespectador. Já no primeiro capítulo, Toni e Maria, personagem de Priscila Fantin, protagonizaram cenas bem apimentadas. Só que a paixão dos dois abusa do óbvio e carece de algo mais para sensibilizar o público – que já deve estar com saudades da rocambolesca história de Glória Perez. Ao longo da novela, porém, Toni terá a difícil missão de decidir-se entre as personagens de Priscila e Ana Paula Arósio. De quebra, deve se envolver com a bela prima, vivida por Maria Fernanda Cândido. Numa visão mais otimista, o “ragazzo” será a Jade dessa história…

Ana Paula e Maria Fernanda estão no time dos atores que voltam a marcar ponto numa obra de Benedito, reforçando aquela inevitável impressão de “dejà vu”. Outros veteranos são Antonio Fagundes e Raul Cortez, que já foram rivais com sotaque italiano em “O Rei do Gado” e “Terra Nostra”. Desta vez, talvez para tentar escapar um pouco das comparações inevitáveis, haverá uma mistura maior de culturas, com imigrantes judeus e espanhóis. Um pequeno consolo para quem já teme outra enxurrada de “Ecco!” e “Madonna mia!”.

O macarrônico “portuliano” com jeito paraguaio parece mesmo ser o que há de pior em “Esperança”. A novela – que inicialmente se chamaria “Uê Paisano” e seria uma continuação de “Terra Nostra” – traz um dialeto que fica entre o nada e o lugar nenhum. Tudo bem que o “italiano” da ficção precisa ficar compreensível para quem desconhece a língua, mas o excesso de didatismo chega a ser uma afronta à inteligência de quem assiste. Com certeza, o telespectador comum seria capaz de apreender, no contexto, o significado de várias expressões que andam sendo toscamente adaptadas.

Como em outras obras do autor, mais uma vez a disputa por terras serve como pano de fundo. Com ares de épico, meio “…E O Vento Levou”, a pendenga latifundiária pode até roubar a cena, caso o molho entre os protagonistas fique insosso no meio da novela. Neste caso, uma boa aposta é Lúcia Veríssimo. A atriz volta por cima e tem tudo para se destacar como a matriarca Francisca “Mão de Ferro”.

Na esperança de manter a audiência de 60 pontos deixada por “O Clone”, a Globo investiu alto em “Esperança”. A considerar o Ibope do primeiro capítulo porém, o público não correspondeu à altura. Com 46 pontos, ficou na lanterna de “O Clone” e “Porto dos Milagres”, que, nas estréias, marcaram 47, e sequer contaram com o empurrãozinho que é suceder um grande sucesso. Um mau começo para uma novela que pretende, no mínimo, reeditar os 54 pontos de “Terra Nostra” – a última obra do autor. Se por um lado, “O Clone” começou desacreditada e revelou-se um azarão que deu certo, “Esperança” ainda vai ter de provar que tem estofo. E não apenas uma galeria de tipos italianos reciclados e tramas mais que manjadas, entremeadas de pretensiosas citações cinematográficas.

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