Peaches, uma das grandes atrações do TIM Festival

Letras sacanas, de alto teor sexual (quase sempre escondido em versos de duplo sentido por causa da segragação racial), sempre foram uma constante na música negra pré-rock’n’roll. Letras sacanas, de alto teor sexual (quase sempre explícito em versos de absoluta indigência lírica e criativa), estão sendo uma constante nos ouvidos dos brasileiros desde que a MPdaB (Música Popular da Bahia) saiu dos trios elétricos para infestar os escritórios das grandes gravadoras nacionais.

Estes dois parâmetros caem como uma luva para explicar o porquê de uma desconhecida cantora chamada Peaches estar sendo celebrada lá fora como uma das grandes revelações do rock neste começo de século (mesmo que acompanhada majoritariamente por apenas uma bateria eletrônica) e aqui no Brasil permanecer no mais completo anonimato, relegada ao limbo por tímpanos e olhos cansados de garrafas, bundinhas e MCs Tati Quebra-Barraco.

O show/disco de Peaches é um gritante manifesto de liberação sexual. Sob um pseudônimo que faz referência direta ao órgão genital feminino, esta performer canadense-judia de nome Merrill Kisker e radicada em Berlim celebra todos os segredos que muita gente teima em deixar encarcerados entre quatro paredes. Homo, hétero, bi, pansexualismo. Sexo anal e oral. Roupas de couro e borracha. Dedos, línguas, seios e pênis (de borracha ou não). Pés na bunda. Sadomasoquismo. Shortinhos apertadíssimos e roupas íntimas provocantes. Fetiches atrás de fetiches, Peaches expõe a olho nu as “depravações” que arrepiam os cabelos daqueles que pregam os bons costumes.

Falsa moral

Fatherfucker (XL/Sum) chega para detonar a falsa moral vitoriana exatamente de onde o anterior (The Teaches Of Peaches, também lançado por aqui neste ano) parou. Com a veia rock’n’roll do parceiro e produtor Gonzalez, ela sabe explorar muito bem a visceralidade de grooveboxes superaceleradas, guitarras cuspindo fúria punk (não há como negar a influência de ícones cacofônicos como Stooges, MC5 e New York Dolls) e samples descarados de ídolos do comportamento transgressor (como Joan Jett, cujo hit “Reputation” é decalcado/homenageado na faixa de abertura “I Don’t Give A…”). “Estou pouco me lixando para minha reputação”, berra ela a plenos pulmões em menos de um minuto e meio.

De fato, o que vem a seguir é um rosário verborrágico-obsceno de uma heroína do sexo livre, propositalmente ambígua, indubitavelmente andrógina e necessariamente versátil para tornar suas apresentações ao vivo (como a encerramento do Tim Festival, no Rio de Janeiro) uma explosão incontrolável da libido sua, de suas dançarinas e, sobretudo, de uma platéia ensandecida e excitada. Não à toa, o título do álbum faz um irônico trocadilho com o xingamento mais utilizado nas ruas de todo o mundo.

Casanova

Casanova burlesca, enfant terrible, ferrenha pregadora da igualdade sexual e defensora do feminismo tão cru quanto nu, Nisker é capaz de ter imaginação tão fértil para combinar em uma mesma letra Sodoma, Gomorra e Rocky Balboa (“I’m The Kinda”) . No novo disco, ela amplia os horizonte de seu electrorock. Chama alguns convidados (o mais famoso deles, Iggy Pop, faz o dueto em “Kick It”), faz baixar o espírito de Janis Joplin (“Rock’n’roll” é puro Woodstock fora de seu tempo) e ainda se arrisca em um electroblues (“Tombstone Baby”). O resto são doses fartas ou homeopáticas da combustão disco-punk que fez o sucesso dos primeiros ensinamentos de Peaches.

Mais do que nunca, ela repete o lema que norteou seu primeiro álbum. Para Peaches, o que importa é o “fuck the pain away”. Diversão, excitação e sexo berrado em verso e prosa. Rude em demasia aos ouvidos mais sensíveis e menos adaptados à grande diversidade musical do planeta, Peaches segue seu caminho bem peculiar em Fatherfucker. Enquanto existirem tosqueiras inconseqüentes como esta, o rock agradecerá. Errr, bem… Não só de joelhos.

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