Para celebrar um sambista

O compositor é escritor que se destaca como combatente do racismo

Celebração (Rob Digital) traz Nei Lopes, que em 9 de maio completa 61 anos, celebrando também a memória do poeta e compositor peruano Nicomedes Santa Cruz e a riqueza do pensamento afro-brasileiro. Nei Lopes, autor de sambas espirituosos, reúne no disco a negritude do elepê Negro Mesmo (1983) e de Canto Banto-300 anos de Zumbi (1995).

Intelectual aplicado sem abdicar de sua condição de sambista; político sem nunca deixar de ser poeta; pan-africanista sem desprezar sua condição de brasileiro, na esteira de Nicomedes Santa Cruz, em 1983 Nei aliou-se a Paulinho Albuquerque para produzir, pelo selo Lira-Continental, o LP Negro Mesmo. O disco, que contou com arranjos sofisticados e primorosos dos maestros Leonardo Bruno e Rogério Rossini, contempla em seu repertório, além de sambas, estilizações de jongos, ludus e outras formas da afro-brasilidade musical. E contou, em sua interpretação, com alguns dos melhores instrumentistas e cantores de nossos estúdios, com destaque para as participações de Vânia Ferreira, no eletrizante solo de abertura de Efun Oguedê e de quatro saudosos artistas: o percusisonista Caboclinho (1934-2000); o cantor e compositor Carlão Elegante (1935-1994); o cavaquinista Dairzinho (1984-1084) e o coralista Zeca Lopes (1939-1984).

Doze anos depois desse registro, e depois de ter gravado, em 1985, para a EMI, com seu emblemático parceiro, o LP O Partido Muito Alto de Wilson Moreira e Nei Lopes, o compositor voltava a celebrar sua negritude, desta vez tendo como tema o tricentenário de Zumbi dos Palmares e como produtor artístico e arranjador o compositor Maurício Tapajós, falecido sem ver o produto final. Com o detalhe de que as composições reunidas em Canto Banto remetiam expressamente a um segmento específico da africanidade nas Américas. Com esse CD, Nei – que já tinha no prelo a primeira versão de seu Dicionário Banto do Brasil, obra que subsidiou boa parte do prestigioso Dicionário Houaiss, lançado em 2001 – procurava afirmar, mais uma vez, a importância dos povos bantos, de Angola, Congo e Moçambique, na música e na cultura nacionais. Dessa forma, algumas das “levadas” das canções aproximam-nas de similares caribenhos e até mesmo angolanos, como nos casos de Afrolatinô, Canto Pra Angana-Zâmbi etc.

Nei Lopes, ao contrário dos grandes sexagenários da música popular brasileira, da chamada “classe de 42”, teve uma longa e tortuosa estrada até poder encetar sua trajetória definitiva. Esse percurso, entretanto, já se delineava no início da década de 1960, quando o jovem acadêmico da Faculdade Nacional de Direito ingressava em outra “academia”, a do Salgueiro, seduzido pela proposta de negritude que a agremiação apresentava.

O termo “negritude”(no sentido sênior) – explica o próprio Nei Lopes em sua Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana, no prelo – é um neologismo surgido na língua francesa, na década de 1930, para significar, entre outras acepções, a circunstância de se pertencer à grande coletividade dos africanos e afro-descendentes; a consciência de pertencer a essa coletividade e a atitude de reivindicar-se como tal. Essa consciência – ainda segundo Nei – assenta-se, entre outras bases, no entendimento de que os negros do mundo inteiro têm compromisso ideológico uns com os outros.

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