Olha quem está fazendo sessentinha!

Pode-se dizer que Zé Carioca, o brasileiro mais famoso dos quadrinhos, nasceu da política de boa vizinhança dos Estados Unidos. Sob o impacto da Segunda Guerra Mundial, o desenhista e produtor Walt Disney participou, no ano de 1941, de uma turnê pelos países da América Latina, a serviço do governo norte-americano, com o propósito de angariar apoio e simpatia para Tio Sam. A equipe esteve no México; na região do lago Titicaca, no Peru; na Argentina e no Rio de Janeiro. A cada escala, um novo personagem foi nascendo: Panchito, no México; Gauchito Voador, na Argentina… Quando chegou no Brasil, Disney foi informado de que aqui o maior sucesso eram as piadas de papagaio, uma ave tagarela, que tinha as cores da bandeira brasileira e, por isso, era uma espécie de símbolo do país. Ele não teve dúvida: criou um personagem marcado pela simpatia e a cordialidade do povo brasileiro, com uma boa pitada da malandragem muito carioca: o papagaio Joe Carioca. Há quem diga que o primeiro esboço foi feito pelo notável ilustrador e chargista brasileiro J. Carlos.

Dois anos depois, em 1943, surgia o filme animado Alô, Amigos! (Saludos Amigos, no original), um longa-metragem que mesclava desenhos com atores de carne e osso, incluindo o então já famoso Pato Donald. A dose foi repetida em 1945, com Você Já Foi à Bahia? (The Three Caballeros), que tinha no elenco a cantora brasileira Aurora Miranda, irmã de Carmem. Em 1948, veio Melodia, no qual o nosso Zé tenta ensinar o desastrado Donald a sambar. Zé, aliás, esteve presente nas três produções.

Estréia no gibi

Como mandava a tradição da época, Zé Carioca surgiu nos quadrinhos através das tiras de jornais, em outubro de 1942. O argumento era de Bill Walsh e os desenhos de Bob Grant. Em revista, a estréia do papagaio aconteceu em dezembro do mesmo ano, na aventura Rei do Carnaval, desenhada por Carl Buettner (que seria publicada no Brasil em fevereiro de 1951). Mesmo assim, oficialmente, considera-se que o personagem somente foi lançado em 1942, no filme Alô, Amigos! Como ninguém quis contestar, ficou valendo.

Cheio de ginga

De paletó, palheta na cabeça, gravatinha borboleta e um inseparável guarda-chuva no braço, morador do morro, pertinho da praia, dos hotéis de luxo e dos turistas internacionais, e cheio de ginga e malemolência, o carioca Zé conquistou logo a simpatia do público com sua lábia poderosa. Arrumou até uma namorada, a bela Rosinha, filha do milionário Rocha Vaz. Para ele não havia enrosco. Com uma única exceção: trabalho – palavra proibida no seu vocabulário.

No Brasil

Em 1950, quando nasceu a Editora Abril e, com ela, a revista O Pato Donald, adivinhem quem apareceu na capa do nº 1, ao lado do personagem-título? O nosso Zé, é claro, então desenhado pelo argentino Luis Destuet. No entanto, até 1952, ele somente aparecia nas capas. A primeira aventura de qual participou foi Donald Fazendeiro, onde faz as vezes de guia turístico e leva Donald e os sobrinhos dele à Amazônia.

Somente dez anos depois, em 1960, é que surgiria a primeira história feita por um brasileiro: A Volta de Zé Carioca, desenhada por Jorge Kato e publicada em O Pato Donald n.º 434. Título próprio ele só ganharia em janeiro de 1961 e, ainda assim, atrelada à revista n.º 479 do pato, que trazia junto ao título Apresenta Zé Carioca. Quer dizer: a revista do Zé nunca teve um número 1. A partir de então, passou a alternar-se com Donald: numa semana era o pato; noutra, o pagagaio, com a numeração seqüente. Apenas algum tempo depois é que as revistas passaram a ter numeração própria, cada uma partindo de onde estava.

Inúmeras fases

Primaggio Mantovi, que durante anos coordenou a Redação Disney da Abril, conta que Zé Carioca viveu várias fases no Brasil. No início, como o material era escasso, a saída foi adaptar histórias de Mickey e de Donald. Assim, os desenhistas da editora substituíam os dois personagens pelo Zé, o que o levou a “parcerias” inusitadas com Pateta e a ter “sobrinhos”, no lugar de Huguinho, Zezinho e Luizinho.

Nos anos 70, com a ajuda de Waldyr Igayara e Carlos Herrero, Zé Carioca retornou às origens. Só não quis voltar a morar no morro, mudando-se para a famosa Vila Xurupita, onde está até hoje.

Com a entrada em cena do gaúcho Renato Canini, novas figuras secundárias ganharam vida. Entre eles, Zé Paulista, um primo que adora trabalhar; o mineiro Zé Queijinho, o cearense Zé Jandaia e o gaúcho Zé Pampeiro. Nasceram ainda o Pedrão, a Agência de Detetives Moleza e o Mercego Verde, versão super-herói do papagaio. O lay-out do personagem também mudou: ele passou a usar tênis e roupas coloridas.

Cresceu igualmente a equipe de criadores: Ivan Saidenberg, Arthur Faria Jr., Genival de Souza, Gerson Teixeira e Luiz Aguiar (argumentistas) e Roberto Fukue, Luiz Podavin, Rogério Soud, Aluir Amâncio, Gustavo Machado, Paulo Borges, Eli Léon e Euclides Miyaura (desenhistas). E as histórias do Zé passaram a ser exportadas para a América Latina e Europa.

No momento, como os estúdios da Abril estão em “recesso”, a produção inédita de Zé Carioca vem da Holanda, onde ele também é muito popular, e mistura-se à republicação de antigas histórias no título mensal do herói ainda em circulação entre nós.

Edição histórica

Para comemorar os 60 anos de vida do Zé Carioca, a Abril está lançando nas bancas uma edição histórica com 132 páginas e treze historias, entre as quais Como Almoçar de Graça (1942), com as primeiras tiras do Zé, anteriores até ao seu nascimento oficial; A Volta de Zé Carioca (1960), primeira história desenhada por um brasileiro; Zé Carioca contra o Goleiro Gastão (1961), que inaugurou a revista do Zé; O Leão que Espirrava (1971), primeira história de Renato Canini; O Morcego Verde (1975), a origem do super-herói de Vila Xurupita; Vinte Anos de Sossego (1981), em comemoração aos primeiros vinte anos da revista; e Nestor, o Destatuador (2003), a primeira história inédita do século XXI (e a primeira desde 2001).

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