O sesquicentenário do Paraná

Em 19 de dezembro deste ano o Paraná vai comemorar 150 anos da instalação da província, criada em 29 de agosto de 1853, quando o imperador Pedro II converteu a antiga comarca de Curitiba na mais nova entidade política do Império. Finalmente os paranaense colhiam o resultado de uma luta de cerca de 50 anos, pela criação da capitania, depois da província, de cuja conjura participaram figuras emblemáticas de nossa história. Dizem que uns foram levados por ambição pessoal, outros, em maior número, movidos por autêntico sentimento nativista.

Em 1812 Correia e Sá foi portador junto a corte portuguesa de longo arrazoado, com argumentos de nossa primeira manifestação oficial de separação de São Paulo, enfatizando cifras da produção e da capacidade da região prover o país e povoar o território, além dos proveitos que desde logo reverteriam para a receita real.

A província, porém, só viria tempos depois, e foi preciso adiar expectativas, aceitar compromissos e vencer manipulações influentes, que, se não evitaram o desmembramento, pelo menos retardaram seu advento. E assim, da comarca de Curitiba, um território anônimo, ocupado por escassa população, caminho de trânsito de militares e tropas de gado, surgiu a província do Paraná, e é a partir daí que se atribui ao presidente, Zacarias de Gois e Vasconcelos, o papel de “inventor” do atual Paraná, não só no sentido de adiantar rumos para seu desenvolvimento, mediante visão antecipatória do seu desenvolvimento, como por tentar lhe dar consciência própria: embora esse processo de assunção da identidade até hoje se ressinta de sua diversidade, pelo afluxo de tantas outras etnias e a assimilação de migrações internas.

Enfim, essa data cívica que o Paraná celebra todo ano, tem agora um significado maior, pois soma um século e meio de um “invento” que deu certo e vem se destacando à frente de amplos setores da vida nacional. Ocorre, porém, que afora algumas diligências particulares de entidades culturais, não há, do lado oficial outra iniciativa, com precedência e consistência, à altura do evento sesquicentenário. O governo anterior já havia antecipado a nomeação de uma comissão dotada de títulos e papel multicultural, para programar as comemorações da passagem histórica, mas, depois disso, com a decurso do tempo sem qualquer estímulo oficial, seus membros acabaram se retraindo um a um, e pedindo demissão. E, assim já vamos passando para o segundo semestre, sem nenhum projeto prévio destinado a solenizar o evento e aproveitar a data símbolo para um grande jubileu de centúria e meia, que nos permita reiventar nossa origem, refazer seus caminhos, revelar sua diversidade, para podermos celebrar nosso paranismo em ampla comunhão entre povo e governo.

A história é também poesia, disse Cassirer no sentido de que uma e outra são formas de conhecimento de nós mesmos e do universo humano. Quanto ao Estado, é sempre um parceiro valioso, e, em casos como esse, devia estar à testa das comemorações e não reduzir sua participação ao papel de simples suplente, pela própria capacidade que detém de criar motivações, recrutar participantes e alocar recursos. Pena, pois, que se omita.

Outra advertência necessária é a de evitar que a efeméride seja usurpada por grupos políticos radicais, que sempre aparecem nesses ofícios cívicos dispostos a transformá-los em picadeiro político, ruidoso e provocador. Foi o que aconteceu com a festa nacional dos 500 anos da descoberta do Brasil transformada em comício, com a presença de 3.000 sem-terras, índios pintados de guerra, punks e estudantes exaltados. Para contê-los foi preciso armar um esquema policial de 5.000 homens, e mesmo assim não foi possível evitar o confronto.

E foi o que restou, afinal, dos 500 anos da nossa festa de brasilidade: só o destaque de um episódio policial, amplamente divulgado na mídia daqui e do mundo. Que essa lembrança sirva para preparação da nossa festa paranista, diante desses tempos bicudos que vivemos, de exaltação e confronto como forma preferida de conquista política. Que eles poupem nosso sesquicentenário…

Rui Cavallin Pinto

é membro do Instituto Histórico e da Academia Paranaense de Letras.

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