Mostra de Le Corbusier em Paris ‘esquece’ revelações de sua simpatia pelo facismo

No ano em que se completam cinco décadas da morte de Le Corbusier, ocorrida em 27 de agosto de 1965, seus adoradores estão confusos, o público atônito e os arquitetos divididos. O que era apenas rumor, tornou-se fato. Três novos livros, com minuciosas enquetes, comprovam a participação dele em círculos, partidos e publicações fascistas, ultranacionalistas, antiparlamentares, contra a democracia e a “degeneração da raça”, não raro ostentando um antissemitismo virulento.

Finalmente, todos são obrigados a admitir que, além de apoiar a extrema-direita, Le Corbusier defendeu a eugenia social, simpatizou com os regimes totalitários, instalou-se em Vichy onde tentou vender as suas ideias ao regime de Pétain e, oportunista que era, sonhou encontrar Mussolini em 1934, imaginando, para seduzi-lo, uma noitada de projeção de diapositivos.

Por motivos desconhecidos – talvez porque a França tenha como hábito o recalque do que não faz bem à boa consciência do país, talvez porque aqui se desculpe o que nasce no “espírito de uma época” – até agora, nenhum historiador, fora raros especialistas, se ocupou seriamente da questão. Os autores Xavier de Jarcy, François Chaslin e Marc Perelman apontam a ligação entre as posições ideológicas do arquiteto e os seus conceitos, evocando o contexto político no qual ele pensou, projetou, construiu e defendeu as próprias obras. E como as formas sempre veiculam ideias, todos convergem no afã de provar que a arquitetura de Le Corbusier é “um fascismo em cimento armado”.

Contudo, A Medida do Homem, retrospectiva inédita que reúne mais de 300 peças no Centro Pompidou (até 3 de agosto), dissimula estes fatos, descontextualiza a obra e mantém o mesmo silêncio que envolveu o mito até agora. Nenhum traço do passado obscuro deste gênio da arquitetura figura diretamente na exposição. Para os curadores, “este não é o seu assunto” – o que, evidentemente, revela – além da omissão histórica – uma enorme incapacidade crítica.

Mostrar apenas como o corpo humano guia o pensamento e as criações do arquiteto, sem revelar todas as suas facetas, falseia a compreensão do resultado. Do ponto de vista de Corbusier, ademais, este corpo é uma massa musculosa, congelada para sempre, sob um registro definitivo e invariável: o Modulor. Este sistema de produção de espaços, criado em 1943, baseado nas proporções de um indivíduo imaginário, “não aceita, como diz Perelman, que cada pessoa e cada corpo sejam diferentes uns dos outros”. O fascismo e o nazismo, assim como o stakhanovismo stalinista ou o puritanismo neostalinista, repousam sobre uma corporeidade de massa bastante próxima.

Diante da posição dos curadores, o mais espantoso é que o próprio Le Corbusier sublinha o laço orgânico entre as suas concepções urbanísticas modernistas e convicções políticas. O objetivo maior do arquiteto: “Uma raça sólida, sã e bela”. A obsessão: “Aperfeiçoamento das cidades, edificação de uma sociedade ordeira, viril, higiênica e racional”. Os conselhos: “Classifiquem as populações urbanas, triem e rechacem os inúteis”. Sua vontade: “Regularidade geométrica, limpeza e, se necessário, depuração”.

Aqui, estamos muito longe das liberdades e dos direitos do homem. E bem perto dos sonhos ditatoriais. As teses de Corbusier – materializadas também em grande parte desta retrospectiva – não correspondem em nada ao “humanismo” que aprendemos a ver no seu trabalho. Hoje, o “Plan Voisin” de destruir boa parte do centro de Paris, para construir 18 torres cruciformes de 200 metros de altura, “serenas, fortes e organizadas”, dá arrepios!

A mostra no Pompidou é complexa, seu percurso íngreme, as relações entre os trabalhos, assim como a sua evolução, não são evidentes. A obra pictórica, ambígua e totalmente inspirada em mestres como Léger e Picasso, entre outros, esclarece bastante, porém não satisfaz. É simplesmente ruim. E contradiz Corbusier em seu culto do ângulo reto, ódio às curvas e à desordem, recusa do acaso e da história, gosto obsessivo pela fabricação em série e padronização que, afinal, constituem toda a sua ideologia ordenadora.

O novo homem no pensamento purista e megalomaníaco de Corbusier – que reivindica poderes de demiurgo nos vídeos, manuscritos e iconografia – é produto da cidade, condicionado, formatado e controlado 24 horas por dia. A grande ironia do destino é que o homem Le Corbusier, que viveu como se fosse “Deus”, terminou a sua vida numa cabana. E morreu afogado, como Deus quis.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Voltar ao topo