Lua da Páscoa

A comemoração da Ressurreição de Cristo, na Páscoa, é o ponto de partida de todas as festas do calendário eclesiástico. Como a ressurreição ocorreu próximo do equinócio da primavera e durante a Lua cheia, os calendaristas resolveram que a Páscoa devia ser celebrada quando ocorreram esses dois fenômenos astronômicos. Dessa maneira, as principais festas religiosas passaram a ser regidas pelo movimento lunar e, conseqüentemente, deixaram de corresponder em cada ano a mesma data; elas se tornaram, portanto, móveis.

Na antigüidade, comemorava-se neste período, a ressurreição dos deuses pagãos associados à vegetação, tais como Adonis, na Síria, Attis, na Ásia Menor, ou Dionísos, na Grécia.

No início, a comemoração da festa da Páscoa deu lugar a certas confusões, não só pelo fato de certos adeptos comemorarem a crucificação e outras a ressurreição, mas também em virtude das incertezas nas datas exatas desses acontecimentos. Em Roma, desde César, o equinócio foi fixado em 25 de março e, em Alexandria, por motivos astronômicos, em 21 de março.

Acreditando que o calendário juliano fosse perfeito, o Concílio de Nicéia no ano 325 d.C. decidiu adotar regras fixas para determinar as datas das principais festas católicas. Essas regras baseavam-se na suposição de que o equinócio da primavera (para o hemisfério Norte) dar-se-ia sempre no dia 21 de março, como era empregado em Alexandria. Assim, a Páscoa, segundo os sábios reunidos em Nicéia, deveria ser celebrada no primeiro domingo depois do plenilúnio que se segue o início da primavera.

Entretanto, à medida que passavam os séculos, o equinócio da primavera se afastava do dia 21 de março. Com efeito, no século VIII, a Igreja verificou que a Páscoa, festa da primavera, no hemisfério Norte, se deslocava pouco a pouco para o verão. Em 1414, no Concílio de Constança, o cardeal Pierre d’Ailly propõe uma modificação na intercalação dos anos bissextos. Novamente, em 1563, a questão da reforma do calendário foi agitada no Concílio de Trento, que recomendou ao papa o estudo desse grave problema. Concluiu-se, então, que o calendário juliano, instituído pelo imperador Júlio César, após consultar o astrônomo egípcio Sosígenes, não era exato, pois não conseguia manter fixo o início das estações.

Em 1582, o papa Gregório XIII, aconselhado pelos mais esclarecidos astrônomos da época, em particular pelo astrônomo e médico Aloysius Lillius, propôs, depois de consultar e obter o acordo dos principais soberanos católicos, uma reforma do calendário. Tal reforma consistiu primeiramente em diminuir de 10 dias o ano de 1582; segundo, que deixassem de ser bissextos e passassem a ser comuns cada três anos num período de 400 anos. Com tais resoluções ficou sanado o erro de 3,1132 dias que se acumulava no fim de 400 anos pela reforma juliana.

Tal correção permitiu estabelecer para o ano gregoriano uma duração média de 365,242 dias; o excesso sendo somente de 0,0003 dias, ou seja, de 1,132 dias em 4 mil anos. Segundo as regras do cômputo eclesiástico, cujas tabelas foram estabelecidas pelos conselheiros do papa Gregório XIII, a Páscoa pode ser celebrada em 35 datas diferentes entre os dias 21 de março e 26 de abril.

Neste ano de 2003, a Lua cheia verdadeira caiu 16 de abril quarta-feira, e a plenilúnio pascoal no dia 20 de abril, domingo de Páscoa. Vale salientar, que o dia 17 de abril, quinta-feira, será a Páscoa dos israelitas que praticamente vai coincidir com a Lua cheia. O Pessach, ou Páscoa judia se celebra no dia 15 Nisã, que satisfaz às condições de ser o dia da primeira Lua Cheia da primavera. A não-exigência de ser um domingo o dia de Páscoa, como ocorre com o calendário católico, faz com que, no calendário lunissolar israelita, a Páscoa seja sempre no plenilúnio.

A Páscoa católica visa a respeitar um fato histórico, a morte de Cristo, que segue o Pessach israelita que se celebra sempre na Lua cheia e inicia-se, segundo a Lei de Moisés, pela imolação do carneiro. A primeira Páscoa cristã, no curso da qual Jesus Cristo instituiu a Eucaristia, ocorreu na noite de quinta-feira, que precedeu a sexta-feira (14 Nisã), enquanto a Ressurreição se efetuou três dias mais tarde, no calendário da época, em 17 Nisã. Se partirmos de dois princípios: o primeiro, que a ceia se realizou numa quinta-feira; o segundo, que os cronologistas acreditam que a morte de Jesus Cristo se deu no ano 29 ou 33 da nossa época, é fácil deduzir que foi no ano 33, que ocorreu a ceia pois o dia 14 Nisã do calendário israelita corresponde à noite de 2 de abril, quinta-feira, do calendário juliano.

Na realidade, no ano 29 de nossa era, o dia 14 Nisã corresponde ao dia 17 de abril, que foi um domingo. Assim, verificou-se que o verdadeiro dia da ressurreição ocorreu no domingo, dia 25 de abril, que deveria ser o verdadeiro aniversário da ressurreição de Cristo, que para coincidir com a Lua cheia pascoal foi transformado numa festa móvel.

Apesar disso, convencionou-se comemorar o aniversário da ressurreição na Páscoa quando a própria natureza contribui para que, celebrando-se próximo da primavera, no hemisfério norte, durante a Lua cheia, essa seja a mais bela de todas as festas religiosas. Com efeito, porque o Sol, ao passar no equinócio, distribui por igual os seus raios por todo o planeta; a Lua, por estar no plenilúnio, não deixa de iluminar com os seus raios os que à noite celebram a Páscoa, e a Terra, por estar entrando na primavera, faz com que os campos comecem a florir e as aves retornam com seus cantos. Por ser tão belo este dia foi que, já na época pré-mosaica, os pastores nômades a adotavam como a sua principal festa.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão

é pesquisador titular do Museu de Astronomia e Ciências Afins do Ministério da Ciência e Tecnologia, do qual foi fundador e primeiro diretor. Autor de mais de 65 livros dentre eles do Vai chover no final de semana?Consulte a homepage:
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