Lei Rouanet ainda não é imparcial

São Paulo (AE) – Num mercado que se retrai progressivamente, muda o perfil daquela que já foi a mais rentável e auto-suficiente área da cultura nacional, a música popular brasileira. Agora, além de não vender discos o bastante para se sustentar, a MPB também faz shows – ou discos e DVDs – subvencionados pelo governo. São muitos exemplos. Autora do disco mais vendido de 2005, Perfil (Sony-BMG), a cantora Ana Carolina ainda assim precisou pedir ajuda das leis de incentivo para ir para a estrada no ano passado. Para fazer sua turnê por Rio e São Paulo, Ana Carolina requisitou R$ 843 mil à Lei Rouanet e conseguiu captar R$ 700 mil. Os ingressos para o seu show custavam em média R$ 120.

Ana Carolina não é um caso solitário na MPB. Daniela Mercury levantou R$ 814 mil da Lei Rouanet para fazer 12 apresentações. O show Brasileirinho 2, de Maria Bethânia, pediu R$ 1 milhão, e já conseguiu captar R$ 300 mil. A turnê percorre 27 cidades. Mesmo revelações recentes da MPB, como a cantora Céu, também têm procurado se valer do recurso. A Lei Rouanet permite que uma empresa (ou uma pessoa comum) invista dinheiro em projetos culturais e artísticos, e depois possa ressarcir esse investimento na hora de fazer sua declaração de Imposto de Renda. Ou seja: o dinheiro investido é aquele que iria para os cofres do governo federal. Segundo nota da Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura do Ministério da Cultura, não é novidade o fato de que grandes astros da MPB agora financiam parte de suas carreiras com dinheiro público.

?Não se pode afirmar que eles buscam evitar riscos, mas em princípio desejam realizar parcerias. Os artistas famosos também têm a prerrogativa de utilizar os mecanismos de apoio oferecidos pelo ministério. Seus projetos são analisados sob a perspectiva da lei e aprovados se atenderem a todas as condições legais?, diz a nota.

Uma das pré-condições para o investimento do Estado em espetáculos culturais é o critério de democratização do acesso – os ingressos deveriam ser mais baratos. Os exemplos mostram que não é o que acontece. O show de Maria Bethânia custava entre R$ 70 e R$ 140 no Tom Brasil. O Ministério da Cultura reconhece, em sua nota, que o artista com menor visibilidade tem mais dificuldades de conseguir patrocínio do que um artista famoso. Ao mesmo tempo, informa que ?não pode proibir ou direcionar o patrocínio aos artistas que obtenham projetos aprovados?.

?É por isso que o MinC está inovando no que diz respeito ao incentivo fiscal, criando, por exemplo, mecanismos como os editais do mecenato, que direcionarão apoio a segmentos, áreas ou artistas que tenham dificuldade de captação de recursos?, afirma a Secretaria de Fomento. Além do incentivo fiscal, o ministério informou que apóia a cultura com mecanismos de financiamento direto, como o Fundo Nacional de Cultura e editais específicos.

A Agência Estado tentou falar com alguns dos artistas beneficiados pelo incentivo fiscal. A assessoria de Daniela Mercury informou que ela estaria muito ocupada com o carnaval na Bahia e não poderia falar no momento. A produtora de Ana Carolina informou que ela está em férias e não poderia interromper seu descanso para tratar do assunto.

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