Jornalistas e os candidatos à presidência

Desde as Diretas de 89, nunca os candidatos à presidência ocuparam tanto espaço na tevê. Além do Horário Político, os presidenciáveis “dão expediente” nos mais diferentes tipos de programa. Dos mais tradicionais, como o “Jornal Nacional”, da Globo, e “Canal Livre”, da Band, aos mais irreverentes, como o “Saia Justa”, da GNT, e “Gordo a Go-Go”, da MTV. Jornalistas como William Bonner, Boris Casoy e Juca Kfouri tomam cuidado para os candidatos não transformarem as bancadas dos programas em palanques eleitorais. “Toda discussão de alto nível sobre questões ligadas aos candidatos fornece instrumentos para o telespectador melhor avaliá-los”, analisa Bonner.

O programa “Passando a Limpo”, da Record, foi um dos primeiros a promover entrevistas com os candidatos. Boris Casoy pergunta sempre a cada entrevistado se gostaria de abordar algum tema específico. Para ele, toda entrevista deve ter dois ingredientes básicos: o que o entrevistador quer perguntar e o recado que o entrevistado quer dar. “Tais entrevistas visam a levar as idéias dos candidatos ao telespectador. Não devem ser transformadas em show ou interrogatório”, ressalva.

Evitando comício

Mas, para que o “recado que o entrevistado quer dar” não passe por cima “do que o entrevistador quer perguntar”, é preciso firmeza. Todos evitam o clima de interrogatório, mas poucos conseguem persuadir os presidenciáveis a falar sobre aquilo que eles não querem. “Gosto de deixá-los falar e só interrompo quando necessário. Mas não posso deixar que transformem o telejornal num comício!”, enfatiza Hermano Henning, âncora do “Jornal do SBT”.

A jornalista Ana Paula Padrão também pensa assim. Por isso, procurou utilizar a rodada de entrevistas do “Jornal da Globo” para discutir temas que os candidatos preferem ignorar no Horário Político. O candidato do PPS, Ciro Gomes, mostrou irritação quando indagado sobre a eventual participação do PFL em seu governo. “Isso aqui tá parecendo um interrogatório, uma inquisição!”, reclamou no ar.

Para Franklin Martins, foram feitas aos candidatos as perguntas que deveriam ser feitas. “É possível que alguns eleitores possam ter achado que pegamos pesado, mas perguntas incômodas fazem parte do arsenal do bom jornalista. O tom foi contundente, mas não passou dos limites”, avalia ele.

Virando bicho

Quem quase passa dos limites é Mônica Waldvogel. Mesmo que a entrevista seja pontuada pelo clima descontraído do programa “Saia Justa”, da GNT. No programa apresentado por ela, Marisa Orth, Rita Lee e Fernanda Young, o candidato do PSB, Anthony Garotinho, foi sabatinado sobre aborto, homossexualismo e religião. Quando Mônica lembrou da polêmica gerada pelas fitas que sugeriam o envolvimento do presidenciável no recebimento de propina de empreiteiros, o “arranca-rabo” foi inevitável. “As outras meninas ficaram pasmas: ?Puxa, Mônica, você vira bicho!? Quando percebo que a evasiva compromete a entrevista, fico transtornada mesmo!”, admite.

Não deixar perguntas sem respostas é uma das virtudes do bom entrevistador. A outra é a isenção. Juca Kfouri pretende evitar o tom familiar nas entrevistas com os candidatos. Mesmo que o entrevistado seja um velho conhecido como Luís Inácio Lula da Silva. Os dois se conheceram quando Lula era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Kfouri, diretor do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. “Não vejo dificuldade, a não ser pelo detalhe de tratar de ?senhor? alguém que é normalmente tratado de ?você?. Mas é bom treinar porque um deles será ?senhor presidente?”, ressalva.

Por mais que tente manter a isenção, Maria Cristina Poli, do “Jornal da Noite”, nunca escapa da ira dos correligionários. Quando entrevistou os presidenciáveis no telejornal da Band, recebeu e-mails criticando uma postura supostamente “tendenciosa”. “Fui acusada de favorecer o Ciro, o Lula, o Serra e o Garotinho. Um dizia que puxei a sardinha para a brasa do outro. Não agradei ninguém”, resigna-se.

Gangorra eletrônica

As entrevistas com os presidenciáveis são uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo que proporcionam ampla visibilidade, oferecem riscos de “escorregões”. “A entrevista tem efeito limitado. A não ser que ocorra algum incidente grave ou o candidato diga alguma grande bobagem”, exemplifica Casoy. Maria Cristina Poli também não sabe se tais entrevistas podem influenciar as pesquisas, mas acredita que elas ajudam a esclarecer o eleitor. Segundo ela, todos estão defendendo as mesmas medidas para a economia. “Para o eleitor, fica até difícil distinguir fulano de sicrano. Se eles pensam exatamente igual, por que não formam um conselho de presidenciáveis?”, ironiza.

É por essas e outras que muitos estão descrentes com a política. “Os candidatos são os mesmos. Tinha de dar uma reciclada nesse pessoal!”, esbraveja João Gordo. O único candidato que aceitou participar do “Gordo a Go-Go”, da MTV, foi Ciro Gomes. “Acho que o Ciro ganhou voto da molecada só por ter ido ao programa”, acredita João.

Bagagem para entrevistar

* Desde o início do processo eleitoral, Maria Cristina Poli vem colecionando recortes de jornais e revistas sobre os candidatos à presidência. Hoje, ela possui pasta dos quatro presidenciáveis em sua sala na Band. “Você tem de estar bem protegida, porque os candidatos são muito habilidosos”, reconhece Poli.

* A experiência de entrevistar convidados no “Jornal Nacional” é bastante recente. Antes dos presidenciáveis, William Bonner e Fátima Bernardes só haviam recebido o jogador Ronaldinho em junho deste ano. “A novidade agradou a todos: o retorno nas ruas, por e-mails e através de telefonemas foi intenso”, orgulha-se William Bonner.

* Em ano de eleições, Fábio Pannunzio, da Band, estuda a biografia e o programa de governo de cada candidato. “Quando o questionamento é intenso, o candidato menos sincero tende a se comprometer mais”, acredita.

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