Jogo da (in)verdade faz novela das oito escorregar em velhos clichês

A favorita tem sido uma espécie de jogo para o autor João Emanuel Carneiro. Mudando as atitudes de seus personagens como quem troca o movimento das peças de um jogo de xadrez – como tem feito com as protagonistas Cláudia Raia e Patrícia Pillar como as dúbias Donatela e Flora -, o autor tem nitidamente a intenção de confundir a cabeça do público.

O recurso, que até poderia ser interessante se melhor articulado, escorrega em velhos clichês e, muitas vezes, os personagens deixam de ser críveis por própria incoerência comportamental. Como assistir às duas protagonistas com atitudes vilanescas e, em cenas seguintes, beirando uma ingenuidade de Poliana. Mesmo assim, a trama consegue ter a capacidade de ser sedutora.

Um dos atrativos é o suspense criado em torno do personagem Silveirinha, do irresistível Ary Fontoura. Do alto dos seus 40 anos de carreira na tevê, o ator curitibano deu um xeque-mate na benevolência do romântico Romeu de Sete pecados, para se atirar numa composição espinhenta do misterioso ex-mordomo da mansão do Gonçalo, de Mauro Mendonça. Não só virou o curinga da trama, mas também o personagem que mais parece ocultar segredos.

Embora o jogo de adivinhação seja previsível em algumas novelas, nessa trama existe uma certa sensação de desamparo em alguns momentos, por não ter um personagem do núcleo principal em que se possa confiar totalmente, com exceção da Mariana Ximenes. Nenhum outro papel de maior destaque passa total credibilidade, como a quase sensata Irene, de Glória Menezes, e até o próprio jornalista Zé Bob, de Carmo Dalla Vecchia.

A sensação é de se pisar em ovos a cada cena de suspense, numa angústia incessante só comparada ao interminável tango da abertura, do grupo uruguaio-portenho Bajofondo. A cada lengalenga de “quem matou”, quem está blefando ou quem está falando a verdade, na fusão de papéis vilões-mocinhos e vice-versa, o fôlego muitas vezes falta e o espectador se sente asfixiado. A opção é desistir e mudar de canal – uma das explicações porque a trama tem dado apenas 35 pontos de audiência.

Existem limites para segurar a atenção do telespectador. O suspense não seria tão exaustivo se fosse mesclado com mais tramas paralelas atraentes, que sustentassem outros núcleos e fornecessem um respiro, o que não tem acontecido. O núcleo do bordel de Cilene, de Elizângela, que deveria ser cômico, ainda não conseguiu decolar na comédia. Já Maria do Céu, de Deborah Secco, a retirante é mais um exemplo de personagem bipolar. Volta e meia comete sandices e retorna em seguida, com atitudes ingênuas.

Além da composição extremada da atriz, que ainda lembra a sofredora Sol, de América, o aspecto de quem não toma banho há uma semana da personagem chega a dar náuseas.

 Mas a ausência total de credibilidade de um personagem está no delirante Augusto, de José Mayer. Poderia ser bem plausível abordar o mundo ecologicamente sustentável de um “hiponga” fora de hora. Mas o personagem se perdeu no início, quando sua insanidade chegou ao ponto de rejeitar as investidas audaciosas de Maíra, da curvilínea Juliana Paes.

Tudo bem que ele já está se embolando com a morena em sua pirâmide. E, se depender da capacidade de “pegador” do rol de personagens do ator, ainda há tempo de reverter o jogo e fazer do lunático um homem de carne e osso.

A favorita – Globo – Segunda a sábado, às 21h.

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