Intérprete de JK ainda não se desvencilhou do espírito do ex-bicheiro

Se o roteiro de JK seguisse a inspiração da trilha sonora da minissérie, teria sido mais fiel à história. É claro que é uma obra romanceada, formatada para a dramaturgia, e que não se trata de um documentário. Mas se a minissérie optasse por romancear a trama sem abandonar a realidade, talvez a maior fidelidade aos fatos contribuísse para informar boa parte da população, que padece de absoluto desconhecimento sobre a história do País. A inserção exagerada de personagens e fatos fictícios, cruelmente embaralhados com algumas referências históricas, faz com que JK sirva apenas para confundir a cabeça do público. Ou seja, a minissérie desperdiça uma ótima oportunidade de permitir que os telespectadores aprendessem com o passado – para, talvez quem sabe, ter chance de tentar melhorar o futuro.

O mais estapafúrdio, no entanto, é perceber que Giovanni Improtta acabou se elegendo presidente do Brasil. Chega a ser constrangedor ver que José Wilker não se libertou do carismático ex-bicheiro de Senhora do Destino. Sua atuação como Juscelino, repleta de sorrisos forçados e gestuais robóticos, deixa claro que não houve nenhuma preocupação de continuidade com o sensível jovem JK, interpretado por Wagner Moura na primeira fase da trama. Parecem duas pessoas absolutamente distintas. Marília Pêra também não acertou na pele da sensata Sarah Kubitschek. Transformou a primeira-dama numa dondoca frágil e superficial, com um ar permanentemente depressivo.

Mas se alguns personagens da trama parecem ter perdido o prazo de validade, a receita da euforia da época não desandou. E se reflete no ibope de 29 pontos e 52% de share, satisfatório para o ingrato horário pós-BBB. Talvez valha mesmo ficar acordado para saborear particularidades dos anos 50 retratados pela produção de arte da minissérie. Desde o impecável figurino de Emília Duncan, passando pela caprichada cenografia e uma cuidadosa direção de fotografia de Ricardo Gaglianone, no quesito acabamento a trama merece a reeleição. Isso sem falar na simpática trilha sonora, que remete à da minissérie Anos Dourados. Ressuscita canções da época, como Alguém Como Tu, interpretada por Dick Farney, Ouça, na voz da sofrida Maysa, ou Aqueles Olhos Verdes – tema de Augusto Frederico Schmidt e Yedda, personagens de Antônio Cal-loni e Alessandra Negrini -, cantada pelo Trio Irakitan.

Talvez embalados pelo Trio Irakitan, Calloni e Alessandra vivem o casal mais carismático e divertidamente passional da minissérie. Emérito ladrão de cenas, Calloni mais uma vez se supera, agora como o melancólico poeta e empresário obcecado pela tempestuosa mulher. O mesmo se pode dizer da surpreendente atuação de Deborah Evelyn, que parece ter realmente se dedicado a compor a sofrida Salomé. Aliás, seu núcleo, também formado pelo sempre dramático Dan Stulbach, apesar de ser composto por personagens fictícios, conta com interessantes atuações.

E, quando os atores se destacam, é natural que suas tramas ganhem mais evidência. É o caso de Camila Morgado, na pele da jornalista Ana Rosemberg, e Letícia Sabatella, como Marisa, a amante de JK. Os sofrimentos da época, que parecem maximizados em tons de sépia, estão especialmente representados pela dupla através da paixão de Ana por Marisa e de Marisa por JK. O amor não correspondido de Ana por Marisa mostra que a homossexualidade não precisa estar restrita às tramas contemporâneas. O tabu de cinco décadas atrás em torno do assunto faz com que um fato, quase banal nos dias atuais, ganhe uma certa aura de romantismo, valorizada pela consistente atuação de Camila Morgado.

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