Herói Tintin agora em documentário

Assistir a um documentário sobre o desenhista belga George Rémi, o Hergé (1907-1983), criador do jovem aventureiro Tintim, é como experimentar uma rara iguaria. O criador do personagem, imortalizado no mundo inteiro e que completou 75 anos em janeiro, sempre foi arredio a entrevistas e se envolvia propositalmente numa aura (bastante densa) de mistério.

Mas, em 1971, numa entrevista para o escritor francês Numa Sadoul, ele abriu o coração e contou detalhes de sua vida que poucas pessoas de seu círculo íntimo conheciam. Surpreso com tantas revelações, que demoraram quatro dias para serem feitas, o escritor mais do que rapidamente gravou tudo o que ele disse, tudo mesmo.

As gravações serviram de material para o filme “Tintim e eu”, dirigido pelo dinamarquês Anders Ostergaard. O documentário, que mostra um retrato bastante verdadeiro de Hergé, infelizmente passa somente hoje no Rio de Janeiro, no Centro Cultural Banco do Brasil, no festival É Tudo Verdade. Quem sabe encontra-se alguma coisa na internet.

A personalidade extremamente fechada de Hergé revela também um lado bastante melancólico e atormentado. Uma faceta que pode surpreender os fãs que cresceram acompanhando as viagens de Tintim e seu cãozinho, Milu, pelo mundo.

“Ah, mas ele era um homem muito engraçado. Cheio de piadas e ironias, mas de uma forma bastante branda”, disse Ostergaard, por e-mail.”Mas o que ele quis falar nesta entrevista foram coisas muito sérias, com as quais ele não queria brincar. Você pode dizer que esse filme apresenta o “lado negro” de Hergé. O mais engraçado é que eu não me surpreendi com o homem que conheci nestas fitas. De alguma forma os livros de Tintim, que eu lia desde os 7 anos, já transpiravam essa personalidade.”

“Sempre fui um grande fã de Tintim e sentia que o homem que o criou devia depositar muito de si mesmo nisso”, disse.

“Nós usamos imagens de Hergé em algumas entrevistas que ele deu à TV em seu escritório, no período de 1966 a 1979. Demos a essas imagens um tratamento gráfico e aí aplicamos sobre elas o som de sua voz nas fitas.”

O documentário é um rico passeio pelo complexo labirinto na mente de Hergé. Um homem cheio de questões existenciais, que considerava sua infância tão medíocre a ponto de recusar-se a mencioná-la. Um homem que via em Tintim a possibilidade de ganhar asas e ser livre (ao contrário do personagem dos quadrinhos, que vivia viajando, Hergé raramente saía da Bélgica), de ser o herói que nunca teve possibilidade de ser na vida real. Segundo o autor do documentário, a única coisa de que ele tinha consciência é de que criava um material de entretenimento para crianças.

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