Filme os ‘Mandamentos’ tem público reduzido no domingo

No Playarte Marabá, no centro de São Paulo – um cinema popular, de rua -, a bilheteira, que pede para não se identificar, informa o repórter. “Se tem lugar? Tem todos, a sala está praticamente vazia.” Ela arrisca sua interpretação. “Os pastores compraram as lotações de Os Dez Mandamentos e distribuíram para os fiéis, mas eles não estão vindo em massa, não. De tarde, aparece um pessoalzinho.” Um ‘pessoalzinho’, como define a profissional da bilheteria, não configura o super-êxito que a Paris Filmes trombeteia, todo dia anunciando os recordes da versão para cinema do épico bíblico da Record.

Na sessão das 11h30 de domingo, 31, havia míseras 13 pessoas na plateia enorme da sala 1, a maior da casa, incluindo o repórter (que pagou seu ingresso). Regina, professora, presumíveis 60 anos, não quer saber de conversa. “Se comprei meu ingresso? Claro, quem ia me dar?” E ela reclama. “Sou evangélica, sim, mas não sou nenhuma ignorante, viu, moço?” O moço é liberdade ‘poética’ da entrevistada, que sai andando, porque o repórter tem mais cabelos brancos que ela. Lourdes, de 70 anos, foi ver o filme com uma amiga. Gostou muito, achou melhor que a novela, mesmo que essa seja a versão compacta. “Ficou mais bonita na tela do cinema.”

Eliana e Elaine, de 47 e 55 anos, também são amigas. Exibem seus ingressos – “Nós compramos.” As duas assistiram à novela e foram ao cinema atraídas pela possibilidade de reviver na telona as emoções da telinha. “É muito bonito, muito bem feito. Tem uma bela mensagem.” Despedem-se, mas Eliana volta para perguntar qual é o jornal. E para comentar – “Agora é esperar pela segunda parte. Estamos loucas para ver.” A empresa proprietária do conjunto de salas, a Playarte, e a Paris aproveitam e exibem trailers de outras produções bíblicas a caminho. Ressurreição, com Joseph Fiennes, O Jovem Messias, baseado no livro de Anne Rice. São filmes de Hollywood meio parecidos com os telefilmes bíblicos que o norte-americano Roger Young fazia nos anos 1990, inclusive um Moisés com Ben Kingsley. Renato, de 44 anos, gostou dos trailers e anuncia que vai ver os dois. “Não sou crente, mas adoro as histórias da Bíblia.” Ele não achou Os Dez Mandamentos “nem um pouco inferior aos filmes estrangeiros. O cara que faz Moisés (Guilherme Winter) é muito bom”.

O repórter desloca-se para uma sala de shopping, mais sofisticada. Escolhe o Arteplex Frei Caneca, a sessão das 14 horas, que está terminando (por volta de 16h15). A funcionária na porta da sala 2 conta os ingressos. “Tem uns 50 aqui.” A sala tem ‘200 e poucos lugares’, portanto, menos de 1/4 da lotação. Mas ela faz a ressalva. “Desde a quinta-feira (28), quando o filme estreou, algumas sessões lotaram, sim.” Paulo e o amigo Alexandre, ambos na faixa dos 30 anos – “Para que quer saber a idade?” -, são frequentadores do conjunto de salas. Estão na fila para ver Carol, de Todd Haynes, que está candidatando Cate Blanchett e Rooney Mara para os prêmios da Academia. Não, eles não vão ver Os Dez Mandamentos. Por quê? “Ah, porque é porcaria, né? Leio a crítica e não vejo ninguém elogiar.”

Marcos, presumíveis 70 anos, e sua acompanhante mais jovem, Regina, também são frequentadores assíduos do Frei Caneca, mas estavam saindo da sessão de Os Dez Mandamentos. Compraram seus ingressos, sim, mas ninguém entrevistado pelo repórter comprou antecipadamente, ou pela internet. No sábado, 30, no Cinemark Eldorado, a subeditora do Caderno 2, Adriana Del Ré, foi ver O Bom Dinossauro com a filha. “Não houve nenhum tumulto. Não havia muita gente querendo ver os Dez Mandamentos. Inclusive, chequei com os funcionários e a sala do Dinossauro lotou e a outra, dos Mandamentos, ainda tinha lugar.” De volta a Marcos e Regina, tiveram opiniões divididas. Ele gostou, médio; ela não gostou, nada. “Sou judeu, meu amigo, e me criei na escola aprendendo e discutindo os textos sobre o êxodo do meu povo. Não achei especial, mas gostei. Os efeitos são decentes na tela grande. Ela (aponta para a acompanhante) não gostou porque viu a novela.”

E Regina – “Ah, não teve novidade nenhuma. Só a mesma coisa da novela e, mesmo assim, muito corrido. Esperava mais. Li que ia ter novidades (alguma antecipação da segunda temporada). Estou decepcionada.” É verdade que a amostra colhida pela reportagem representa pouquíssima gente, mas desde a estreia de Os Dez Mandamentos, o filme tem feito a festa nas redes sociais. Na quinta e sexta, pipocaram comentários dizendo que os ‘pastores’ compraram os ingressos e distribuíram para os fiéis, mas eles, desacostumados a ver filmes, não compareceram. Surgiram piadas. “Só tinha anjinhos na plateia, por isso a gente não via.” Mas a distribuidora Paris, que acumula grandes êxitos (blockbusters) nacionais – as comédias – e estrangeiros – as séries Jogos Vorazes, Insurgente e Maze Runner -, continuava alardeando números bombásticos.

Segundo uma nota da Paris, “com exibição em mais de 1.100 salas de cinema, Os Dez Mandamentos – O Filme – o maior circuito da história do cinema brasileiro – chegou a 600 mil ingressos vendidos nas bilheterias somente no dia de estreia” (quinta, 28). “Esse número reflete 70% dos ingressos vendidos em todos os cinemas do País, com média de 550 espectadores por sala – e em uma quinta comum, que não precede um feriado, o que representa um resultado impressionante”, ressalta o comunicado. “Para se ter a real dimensão do que representam estes números, em apenas um dia, Os Dez Mandamentos – O Filme trouxe aproximadamente metade do público do fim de semana inteiro de estreia do filme Tropa de Elite 2, o antigo recordista de público do cinema nacional.” Depois de bater a Globo na TV, com os capítulos da abertura do Mar Vermelho da novela, a Record está levando para os cinemas a disputa com a Globo, cujo braço no cinema, a Globo Filmes, é parceira de Tropa de Elite 2. Os próximos dias serão decisivos para se avaliar a real grandeza do sucesso anunciado, e mais que isso, programado de Os Dez Mandamentos – O Filme. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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