?Eu faço histórias otimistas para crianças?

Ele completou 75 anos, no último dia 24. Ziraldo Alves Pinto está longe de se tornar rabugento, mas também nada a ver com um ?velhinho fofo?. Ziraldo se mantém vivaz, engraçado, ferino e saudavelmente indignado.

– Com 75 anos ainda dá para ter macaquinhos no sótão?

Ziraldo – Dá. Eu tenho pensado muito sobre a velhice. Reparo uma coisa: esse negócio de achar que a velhice é o fim, a entrega, a decadência é algo que me assustou muito no livro da Simone de Beauvoir (A Velhice). Como ela envelheceu mal, ao lado do Sartre, que também envelheceu mal, ela escreveu um livro que só levantou a história de artistas que envelheceram mal.

– A gente percebe mesmo que os setentões estão saracoteando por aí. O que será que mudou nessa sua geração?

Ziraldo – É uma pergunta interessante porque a geração do Sartre chegou muito amarga à velhice. Se você escolhe uma vida só baseada nos prazeres da carne, é claro que a pele vai ficar feia, que você vai ficar doente, cansado. O que está acontecendo agora é a consciência mais ampla de que não há alternativa: o melhor é continuar produzindo. Veja a Dercy Gonçalves, o Niemeyer, eles não se queixam da velhice.

– Mas você é preocupado com a saúde, se cuida?

Ziraldo – Mais ou menos. Precisava nadar, andar, fazer regime. Não faço nada disso, só tomo as minhas pílulas para pressão alta. Por azar, eu tenho pressão alta. Atrapalha muito a vida de quem quer continuar fazendo muita coisa, mas tem como controlar, com as pílulas. Mudar o modo de viver, nem pensar. Comer sem sal? Eu, não.

 – Você sempre teve personagens homens, meninos, e agora vem com uma menina, a Menina das estrelas. Como é hoje sua observação do universo feminino?

Ziraldo – Meus personagens são mesmo meninos. Sempre tive muito cuidado ao escrever sobre meninas porque o meu trabalho é sobre a natureza humana, não sou um contador de história, estou sempre colocando questões sobre o sentimento humano. Achava meio difícil, porque eu poderia ser sincero mas não competente ao escrever sobre a menina, a mulher. Desta vez, tive coragem.

– Sempre pensei no porquê de você não usar nos livros infantis nada da veia política que conhecemos dos seus trabalhos para adultos.

Ziraldo – Acho que isso não é conversa para menino. Eu faço histórias otimistas para crianças. Não sou otimista, sei que a humanidade é complicada e que o ser humano nasce com ânsia de bondade, mas que a luta pela vida vai fazê-lo usar as piores qualidades dele para sobreviver. A vida vai mostrar esse tipo de coisas para criança, quando ela crescer. Mas enquanto for criança, eu tenho de falar de coisas amenas para ela. Eu não falo no Menina das estrelas que o pai dela pode falhar, que a mãe dela é maluca, chata. Posso brincar com isso, mas valorizo a relação com o pai e com a mãe. Não vou fazer livro sobre aids para criança! Ela tem de acreditar na vida. Você não tem de fazer orientação política para criança, bobagem. Faço livros para a criança gostar de ler.

– O Menino Maluquinho é de 1980, e coincide com abertura política. Não é coincidência que você tenha passado da indignação do Pasquim para o lirismo da literatura infantil justamente neste período, não?

Ziraldo – Tem tudo a ver. Porque eu fiquei sem saber o que ia fazer. No Pasquim, eu tinha uma causa, vivia em função da luta contra a ditadura. Já tinha feito história em quadrinhos antes, sabia conversar com criança. Tinha feito Flicts, mas por causa do AI-5 me dei conta de que havia uma luta, e que eu não poderia ficar fazendo livro infantil. Quando os anos de chumbo acabaram, pensei ?o que eu vou fazer??. Comecei a trabalhar como artista gráfico. Daí, me ocorreu fazer O Menino Maluquinho. O livro arrebentou a boca do balão, vendi 100 mil exemplares na Bienal do Livro de 1980. E a editora me encomendou outro livro, e outro e mais outro. Virei autor para criança. (AE)

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