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‘Estado de Liberdade’ expõe a vergonha de uma nação

Ao fundar a República Livre de Jones, Newt Knight/Matthew McConaughey enuncia alguns princípios. Todo homem tem direito a retirar da terra o que plantar. Nenhum homem, ou mulher, ou criança, pode ser comprado. Newt, entre os anos 1860 e 70, liderou uma rebelião de pequenos proprietários e escravos que agitou ainda mais o Sul dos EUA, já tumultuados pela Guerra Civil. Newt e seus aliados chegaram a proclamar o ‘Free State of Jones’, mas ele quebrou uma de suas regras. Comprou uma criança, para devolver sua infância, e liberdade, no pós-Civil War.

É muito interessante – na verdade, oportuno – que, nessa fase de conservadorismo que levou à eleição de Donald Trump como presidente dos EUA, Hollywood esteja promovendo a revisão histórica e reabilitando figuras polêmicas da historiografia oficial. Um Estado de Liberdade, como Free State of Jones se chama no Brasil, dialoga muito bem com O Nascimento de Uma Nação, de Nate Parker, que trata de uma rebelião de escravos na América de 1830/31.

O Nascimento de Uma Nação tem sido criticado pelo que não é – uma apologia do radicalismo, transformada em (barulhento) diálogo de surdos, sobre duas partes (senhores e escravos) que preferem se matar a dialogar. O filme – forte, crítico – foi feito por um diretor negro, que também faz o protagonista. Um Estado de Liberdade tem um herói branco, e um diretor também branco – Gary Ross -, mas ambos se inscrevem no mesmo movimento de dar voz ao negro no cinema.

A 40ª Mostra percebeu a importância desse movimento. Transformou-o em debate. A discussão continua com Gary Ross. É o diretor de Seabiscuit – Alma de Herói e do primeiro episódio de Jogos Vorazes, o que formatou a franquia inteira. Ross cercou-se de um impressionante batalhão de historiadores, cujos nomes enchem a tela nos créditos finais. Ele desencava episódios controversos como a concessão do direito de voto aos negros e o seu confisco, na prática, pela Ku Klux Klan em todo o Sul. Denuncia uma tal ‘lei de aprendizes’ que permitia aos antigos senhores reescravizar crianças negras – e é uma dessas crianças que Newt ‘compra’ do seu master. O filme talvez não seja uma grande aula de cinema – é bom -, mas é uma aula de história. Desenvolve-se em dois tempos e, 80 anos depois, mostra um descendente de Newt, considerado um oitavo negro, e portanto, negro total, lutando pelo direito de se casar com uma branca. Filmes como esses expõem a vergonha de uma nação.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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